São Paulo, quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

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KENNETH MAXWELL

O "Ancien Régime" vive!

EU SEI QUE preciso me conduzir ao século 21. Passei nesta semana em uma das faculdades da Universidade de Cambridge, Inglaterra. Estudei lá há mais de 40 anos. Algumas coisas mudaram para melhor, mas não tudo. Agora os quartos têm aquecimento e contam com banheiros e chuveiros internos. Não era assim na minha época. Chegar ao chuveiro exigia atravessar quatro pátios. Mas não me lembro de que tomássemos tantos banhos. Então, os europeus ainda se admiravam com a freqüência dos banhos entre os brasileiros. O fato era atribuído à influência dos povos indígenas, já que os portugueses não eram conhecidos por um aroma agradável.
Mas tenho certeza de que os brasileiros que visitavam o Reino Unido se sentiam horrorizados diante da falta geral de higiene corporal.
Estou feliz por informar que isso mudou.
No entanto, o acesso aos meios de comunicação parece pior. Os quartos não têm telefones, e o acesso à internet não é fácil. Então, as cartas chegavam a nós com freqüência. Mas ninguém mais escreve. Sei que não posso culpar outra pessoa que não a mim mesmo pela situação, porque sou o último homem do mundo desprovido de celular e que viaja sem laptop. Mas presumo que sempre será fácil obter acesso a telefones e computadores. Nesse sentido, o Brasil é muito mais avançado que o Reino Unido. Não tive nenhuma dificuldade em obter acesso à internet em Belém, por exemplo.
Assim (talvez para minha sorte), passei seis dias completamente desconectado. Em lugar disso, mergulhei no século 18 e apreciei a cada noite maravilhosos jantares à luz de velas, com três pratos e quatro vinhos, encerrados com vinho do Porto e porções de queijo, e todos servidos com deferência pelos funcionários de Cambridge.
Estávamos discutindo as políticas de reforma de diversos déspotas esclarecidos, tais como o marquês de Pombal, mas o fazíamos em um ambiente no qual o "Ancien Régime" claramente persiste sem remorsos. No século 17, o puritanismo era forte em Cambridge, e seus adeptos tentaram convencer a universidade a dedicar sua renda aos estudantes pobres, e não a banquetes. Mas eles fracassaram miseravelmente e, por isso, se transferiram à Nova Inglaterra, onde fundaram o Harvard College e proibiram a celebração do Natal em Boston.
No entanto, Boston estava se tornando mais irlandesa do que inglesa, mais católica do que protestante, e o Natal logo foi restaurado.
Mas em Cambridge, Massachusetts, Harvard preferiu dedicar os seus recursos à educação de alunos. Cambridge, Inglaterra, ainda prefere os vinhos finos para professores.


KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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