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CARLOS HEITOR CONY
A fome da greve
RIO DE JANEIRO - O respeito -e
até certo ponto a admiração- que
todos devemos à greve de fome do
bispo Luiz Cappio não deve impedir algumas considerações sobre
duas questões: o mérito da causa
em si e o recurso pessoal de que ele
se valeu para questionar a transposição do rio São Francisco.
Quanto ao mérito: o problema é
polêmico. Vem dos tempos do Império a idéia de fazer do São Francisco uma espécie de caixa d'água
para abastecer grandes porções do
árido e do semi-árido, onde vivem
milhões de pessoas que seriam beneficiadas com a irrigação pretendida. O processo foi estudado por
técnicos e já foi usado com êxito em
várias partes do mundo, inclusive
nos Estados Unidos e, em escala
menor, no Egito. Tudo ficaria na dependência de uma eficiente e honesta tecnologia a ser empregada.
Quanto ao recurso da greve de fome para pleitear uma causa, ela se
justifica quando a causa em questão
envolve um princípio moral inquestionável para quem a pratica.
Digamos que o Brasil aprove a lei do
aborto. Um bispo poderia fazer
uma greve de fome -para os católicos, o aborto é um crime, um assassinato.
Os mártires de todas as causas
-bonzos que se queimavam no
Vietnã- faziam o sacrifício em nome de uma causa que transcendia o
aspecto político e técnico de uma
determinada circunstância. Os judeus de Massada que se imolaram
estão no mesmo caso.
Tivemos em nossa história alguns momentos que poderiam ter
provocado greves de fome: o regime
da escravidão, que durou tantos
anos, a vacina obrigatória -houve
apenas badernas nas ruas-, o golpe
de 64, as Diretas-Já, a transferência
da capital para Brasília.
Conheci no Lins de Vasconcelos
um sujeito que fez greve de fome
para impedir que o Flamengo vendesse Zizinho ao Bangu.
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