São Paulo, quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

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CARLOS HEITOR CONY

A fome da greve

RIO DE JANEIRO - O respeito -e até certo ponto a admiração- que todos devemos à greve de fome do bispo Luiz Cappio não deve impedir algumas considerações sobre duas questões: o mérito da causa em si e o recurso pessoal de que ele se valeu para questionar a transposição do rio São Francisco.
Quanto ao mérito: o problema é polêmico. Vem dos tempos do Império a idéia de fazer do São Francisco uma espécie de caixa d'água para abastecer grandes porções do árido e do semi-árido, onde vivem milhões de pessoas que seriam beneficiadas com a irrigação pretendida. O processo foi estudado por técnicos e já foi usado com êxito em várias partes do mundo, inclusive nos Estados Unidos e, em escala menor, no Egito. Tudo ficaria na dependência de uma eficiente e honesta tecnologia a ser empregada.
Quanto ao recurso da greve de fome para pleitear uma causa, ela se justifica quando a causa em questão envolve um princípio moral inquestionável para quem a pratica. Digamos que o Brasil aprove a lei do aborto. Um bispo poderia fazer uma greve de fome -para os católicos, o aborto é um crime, um assassinato.
Os mártires de todas as causas -bonzos que se queimavam no Vietnã- faziam o sacrifício em nome de uma causa que transcendia o aspecto político e técnico de uma determinada circunstância. Os judeus de Massada que se imolaram estão no mesmo caso.
Tivemos em nossa história alguns momentos que poderiam ter provocado greves de fome: o regime da escravidão, que durou tantos anos, a vacina obrigatória -houve apenas badernas nas ruas-, o golpe de 64, as Diretas-Já, a transferência da capital para Brasília.
Conheci no Lins de Vasconcelos um sujeito que fez greve de fome para impedir que o Flamengo vendesse Zizinho ao Bangu.


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