São Paulo, segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Por uma refundação do PSDB

JORGE DA CUNHA LIMA


Fernando Henrique e Aécio Neves possuem todas as qualificações para essa tarefa, mas não para fazê-la a quatro mãos, em nome do partido


Refundar quer dizer fundar de novo, fazer outra coisa. Mas também quer dizer fazer o novo sob os princípios do ato fundador. Por um caminho ou por outro, o PSDB não escapa desse destino renovador.
Fernando Henrique Cardoso já afirmava isso antes mesmo do segundo turno das últimas eleições.
Aécio Neves, com instinto e DNA, escancarou o roteiro no "Roda Viva", da TV Cultura. Alckmin, discreto, mas sempre com o futuro político a seus pés, concorda.
A maioria dos militantes ainda fiéis ao partido só pensa nisso, sobretudo as jovens lideranças, que nunca tiveram vez nem hora.
Mas há um risco nessa empreitada: produzir um receituário a quatro mãos. Não se trata de uma questão de talento nem de mérito dos proponentes. Nada mais no Brasil pode ser resumido a um plano de ação vindo de cima para baixo; da "intelligentzia" para a goela.
Beatriz Sarlo, a eminente socióloga argentina, estava iluminada ao escrever: "Não são perguntas sobre o que fazer, mas como armar uma perspectiva para ver".
Fernando Henrique e Aécio possuem todas as qualificações para essa tarefa, mas não para fazê-la em nome do partido. Podem fazê-la convocando o que resta de inteligência e generosidade entre os militantes, para montar vanguarda de reflexão e decisão. Podem e devem ir além das trincheiras do partido para recrutar pensamento novo.
Quando Montoro montou a Sorbonne, no início do processo de redemocratização, alguns companheiros acharam bisonho aquele telescópio coletivo para visualizar as perspectivas do Brasil.
É bom lembrarmos disso, porque essa miragem foi retirada das lentes do PSDB. A grande tendência da prática política no Brasil democratizado é o enclausuramento. Ora, a clausura do poder.
O PT sente-se quimicamente realizado na cápsula do poder. Já a clausura do PSDB é a de uma taba só de caciques. Desde a morte de Montoro, a pajelança nunca mais convocou a tribo. A terceira tentação da política é a cápsula do ego, de que Serra é sumo sacerdote. Não podemos dizer que Lula escape desse atributo, mas, por falta de consciência metafísica, age como um existencialista dos anos 60.
O político que se fecha é como um shopping center, alheio à "polis" que o rodeia. Por isso, nossas pesquisas eleitorais parecem pesquisas de mercado. Mede-se a satisfação consumista, não as necessidades humanas. Assim, o cacique autocentrado precisa de marqueteiro para corrigir sua solidão.
Mas torna-se difícil manejar a chave do consumo, fora do poder.
Por essa razão, ninguém mais sabe fazer oposição, nem aqui, nem na Argentina, nem na Venezuela.
A refundação do PSDB implica questões mais profundas do que uma retórica midiática.
Aliás, na atual conjuntura, com os problemas que o Brasil deverá enfrentar, diversos partidos precisam de refundação. Só o PMDB não precisa disso, pois sabe exatamente o que quer e o que querem seus líderes: participar do poder.
Em síntese, o PSDB precisa de um olhar novo sobre a estrutura do Brasil, sem a catarata política dos notáveis, sem a miopia econômica do consenso e sem o astigmatismo ideológico do banco de reservas.

JORGE DA CUNHA LIMA, 79, jornalista, escritor e poeta, é vice-presidente do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta e vice-presidente do Itaú Cultural.

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