São Paulo, domingo, 20 de dezembro de 1998

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FIM DE UMA APOSTA CAMBIAL

Muitos andam perguntando qual a razão de ser de um Ministério do Desenvolvimento neste momento. A tal ponto se reduziu a política econômica à estabilização, nos últimos anos, que a definição de metas e instrumentos voltados para o longo prazo tornou-se um tema preterido.
Mas é ingênuo crer que a estabilização foi uma aposta de curto prazo e que, assim, o país estava desprovido de diretrizes de longo prazo.
O que vigia era a crença na capacidade transformadora da abertura econômica e da âncora cambial. Elas tinham também, lado a lado com seu poder contra a inflação, profundas implicações sobre o modelo de desenvolvimento brasileiro.
Mas ficou evidente que, antes mesmo da crise asiática, acumulavam-se contra a aposta nas virtudes da abertura inúmeros problemas, a começar por um arriscado aprofundamento da dependência externa, tanto financeira quanto produtiva.
O déficit comercial crescente, em princípio sintoma de modernização, sinalizava também perda de competitividade e excesso de importações.
De modo tentativo, enfrentando dificuldades de coordenação e de definição de prioridades, aos poucos foram surgindo novas iniciativas: da resistência brasileira à integração com a Alca à gradual montagem de políticas mais ativas contra importações predatórias, passando pela reativação de linhas de crédito a exportações e pela mobilização do BNDES em programas de financiamento a empresas e setores estratégicos.
Hoje a necessidade de um novo leque de ações está clara.
A abertura com âncora cambial partia de uma hipótese talvez simplista. Expostas à concorrência, as empresas brasileiras seriam forçadas a se adaptar num processo darwinista, em que os melhores sobreviveriam. Cada uma aumentaria sua eficiência e, assim, toda a economia evoluiria.
Houve de fato alguma evolução e muito esforço de redução de custos. Mas toda economia é também uma espécie de ecologia. Ou seja, a eficiência de cada empresa depende do meio em que atua, ainda que nenhuma empresa possa, isoladamente, tomar a si a regulação dos mercados em que opera. É na coordenação desses mercados com vistas ao aumento da competitividade do sistema e contra a competição predatória que o Estado deve assumir novas funções.
Há sempre o risco de o governo ceder a pressões setoriais ou de o modelo sucumbir ao protecionismo, gerando um ambiente tão danoso quanto o da abertura desenfreada.
Mas a maior vantagem da existência de um ministério que coordene as ações nessa área está na possibilidade de transparência e consistência das políticas setoriais e industriais. Haverá sempre choro e ranger de dentes, mas também debates e questionamentos com endereço certo. Isso é melhor que a dispersão de competências e autoridades em vigor.
Seria também ingênuo desconsiderar a dimensão política do Ministério do Desenvolvimento. Ela é relevante num momento em que lideranças-chave do PFL criticam a oportunidade do novo ministério.
O presidente, ao que parece, ainda preserva compromissos com o ideário desenvolvimentista e não pretende deixar como herança de oito anos de mandato apenas o gerenciamento da estabilização de preços.
Haverá conflitos de interesse entre a área que cuida do curto prazo, na Fazenda e no BC, e o novo ministério? Certamente, o que aliás é positivo e saudável. Sempre houve esse tipo de confronto na política econômica brasileira e, havendo princípios e metas, a balança penderá conforme as possibilidades da conjuntura, tanto nacional quanto internacional.
A crise e a dependência de apoio externo são, paradoxalmente, um momento oportuno para retomar a tradição brasileira de planejar o desenvolvimento e apostar na produção.
A política cambial seguirá seu curso, naturalmente sujeita às condições financeiras impostas pelo cenário de curto prazo. Mas como instrumento de transformação produtiva organizada, a aposta na âncora cambial claramente não convenceu.
Criar o Ministério do Desenvolvimento é como consagrar um velório solene ao darwinismo cambial, enquanto se começa a dar mais atenção aos esforços de defesa e reconstrução da economia brasileira.



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