|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ALBA ZALUAR
Impunidade e investigação
A PESQUISA científica e a investigação policial cada vez
mais dependem uma da outra, embora baseadas em éticas,
propósitos e estratégias diferentes.
O entendimento da dinâmica
dos crimes precisa de dados oficiais, mas sobretudo que o pesquisador se mantenha distante das
disputas político-ideológicas. Pode
ajudar governos, mas nunca servir
a governos.
A falta de investigação policial no
caso dos homicídios atrapalha o
conhecimento científico que se
possa ter dessa tenebrosa experiência vivenciada no país desde finais dos anos 70. Isso porque dados
confiáveis que possam ser repetidos em séries históricas são imprescindíveis para comparar cidades, Estados, regiões.
No registro de homicídios, ainda
estamos longe de conseguir a uniformidade e a precisão desejáveis,
apesar dos grandes avanços feitos
no registro do sistema SIM/Datasus/Ministério da Saúde e, com
menos uniformidade, do Senasp/
Ministério da Justiça.
Na cidade do Rio de Janeiro, em
2004, foram registrados 2.192 homicídios dolosos, segundo a Senasp, e 2.646 mortes por agressão,
segundo o SIM, perfazendo, respectivamente, as taxas de 39/100
mil habitantes e 46,8/100 mil.
Isso quer dizer que não se pode
confiar em apenas uma fonte para
tirar conclusões sobre o aumento
ou a diminuição da taxa desse crime pouco investigado.
No caso de morte violenta, o registro de ocorrência policial é obrigatório, mas a conclusão de que se
trata de homicídio, e não acidente
ou suicídio, depende de investigação cuidadosa, raramente feita nas
áreas pobres de cidades brasileiras.
Mesmo nesse grave crime violento, a taxa de impunidade atinge
níveis inaceitáveis. E o registro é
muito desigual no país.
A "desova" de corpos, as testemunhas que não falam com medo
dos poderosos grupos de traficantes ou de exterminadores, a precariedade do material técnico de que
dispõe a polícia e a parca determinação em descobrir os autores (até
as vítimas) conspiram para que a
taxa de impunidade no homicídio
continue altíssima. Outra faceta
iníqua da desigualdade no país que
vem diminuindo lentamente em
alguns Estados.
Como não se pode enterrar ninguém sem atestado de óbito, critérios mais atentos podem vir a ser
adotados nos IMLs, desde que não
haja fortes pressões políticas para
contradizê-los, o que já aconteceu
até os anos 1990.
Mas não há dúvidas de que é preciso levar em conta o registro sempre maior de homicídios no sistema SUS, que parecem estar mais
longe da tirania de comandos de
tráfico e grupos de extermínio,
bem como da disputa política na
segurança pública.
ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Ruy Castro: Rugidos virtuais Próximo Texto: Frases
Índice
|