São Paulo, segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

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ALBA ZALUAR

Impunidade e investigação

A PESQUISA científica e a investigação policial cada vez mais dependem uma da outra, embora baseadas em éticas, propósitos e estratégias diferentes.
O entendimento da dinâmica dos crimes precisa de dados oficiais, mas sobretudo que o pesquisador se mantenha distante das disputas político-ideológicas. Pode ajudar governos, mas nunca servir a governos.
A falta de investigação policial no caso dos homicídios atrapalha o conhecimento científico que se possa ter dessa tenebrosa experiência vivenciada no país desde finais dos anos 70. Isso porque dados confiáveis que possam ser repetidos em séries históricas são imprescindíveis para comparar cidades, Estados, regiões.
No registro de homicídios, ainda estamos longe de conseguir a uniformidade e a precisão desejáveis, apesar dos grandes avanços feitos no registro do sistema SIM/Datasus/Ministério da Saúde e, com menos uniformidade, do Senasp/ Ministério da Justiça.
Na cidade do Rio de Janeiro, em 2004, foram registrados 2.192 homicídios dolosos, segundo a Senasp, e 2.646 mortes por agressão, segundo o SIM, perfazendo, respectivamente, as taxas de 39/100 mil habitantes e 46,8/100 mil.
Isso quer dizer que não se pode confiar em apenas uma fonte para tirar conclusões sobre o aumento ou a diminuição da taxa desse crime pouco investigado.
No caso de morte violenta, o registro de ocorrência policial é obrigatório, mas a conclusão de que se trata de homicídio, e não acidente ou suicídio, depende de investigação cuidadosa, raramente feita nas áreas pobres de cidades brasileiras. Mesmo nesse grave crime violento, a taxa de impunidade atinge níveis inaceitáveis. E o registro é muito desigual no país.
A "desova" de corpos, as testemunhas que não falam com medo dos poderosos grupos de traficantes ou de exterminadores, a precariedade do material técnico de que dispõe a polícia e a parca determinação em descobrir os autores (até as vítimas) conspiram para que a taxa de impunidade no homicídio continue altíssima. Outra faceta iníqua da desigualdade no país que vem diminuindo lentamente em alguns Estados.
Como não se pode enterrar ninguém sem atestado de óbito, critérios mais atentos podem vir a ser adotados nos IMLs, desde que não haja fortes pressões políticas para contradizê-los, o que já aconteceu até os anos 1990.
Mas não há dúvidas de que é preciso levar em conta o registro sempre maior de homicídios no sistema SUS, que parecem estar mais longe da tirania de comandos de tráfico e grupos de extermínio, bem como da disputa política na segurança pública.


ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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