São Paulo, sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

JOSÉ SARNEY

Ludmila e as chuvas

O Brasil não tem tradição de lidar com grandes tragédias naturais. Talvez porque, como o Criador nos livrou de terremotos, vulcões, tornados, tufões e tsunamis, tenhamos criado uma cultura de não acreditar que elas possam ocorrer. Já as chuvas, somos levianos ao lidar com elas, com nossas enchentes e secas, que ocorrem aqui e acolá, com frequência repetitiva.
O caso do Rio de Janeiro é um exemplo dramático do nosso despreparo, da penúria da Defesa Civil. E não é caso isolado, acontece em todo o país. Vejam-se Santa Catarina, Minas Gerais, São Paulo.
O problema existe por causa das cidades não estruturadas. Lembro-me de Celso Furtado, ao falar das secas, afirmando que, mais que meteorologia, era sociologia. E dava o exemplo: no Saara não chove e não acontece nada, porque lá não tem gente. É a gente que sofre que nos desperta para a necessidade de estarmos preparados para enfrentá-las.
A cidade de Imperatriz, no Maranhão, está em estado de choque com o drama de Marcelo Cláudio Bernardes Pereira. Ele vivia no Rio, era funcionário do Estado e, sabendo da abertura de cargo de tabelião em Imperatriz, inscreveu-se e foi aprovado. Veio para encontrar casa e depois trazer a família, que ficou no Rio.
Os filhos, Yuri e Ludmila, a esposa, Andreia, a sogra e sete familiares da cunhada, inclusive um filho de dois anos, aproveitavam as férias de fim de ano para se despedirem do clima da serra em Itaipava, preparando-se para os calores do Maranhão.
Estavam todos eles e mais uns amigos em uma casa alugada. Dormiam tranquilos. Começa uma chuva de verão, torrencial, persistente. Encharca-se a terra, desloca-se a capa vegetal e uma avalanche vai soterrar a casa em que foram buscar a alegria da vida.
São soterrados. Não tiveram tempo nem de saber o que acontecia, e o mistério da respiração cessa para todos, a lama e a mata soterram tudo. Cessado o barulho do desastre, restam o som da chuva e o silêncio da morte.
Em Imperatriz, Marcelo também dormia. Não sabia que naquele instante ele ficava só no mundo. No dia seguinte, avisado sobre a tragédia, volta ao Rio de Janeiro. A casa que alugara nunca receberá sua família. No Rio, não encontra mais ninguém.
Quantos Marcelos, anônimos, não têm seus dramas pessoais soterrados entre os mais de 700 mortos de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo?
A dor e a solidão dos que ficaram e o silêncio dos que estão na eternidade devem despertar a consciência de que temos de fazer tudo, não só na solidariedade, mas na prevenção de outras tragédias como a que levou Yuri e Ludmila, sua mãe, sua família e a graça da vida.

JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.

jose-sarney@uol.com.br


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Ruy Castro: Símbolos nacionais
Próximo Texto: TENDÊNCIAS/DEBATES:
Tercio Sampaio Ferraz Junior: Dados sigilosos de telefone

Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.