São Paulo, sexta-feira, 21 de janeiro de 2011 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Dados sigilosos de telefone TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR
A Folha informou nesta semana que a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) pretende modernizar sua fiscalização, mediante monitoramento via internet de chamadas telefônicas fixas e móveis. O objetivo é ter acesso on-line a centrais de reclamação. Argumenta-se que não haverá quebra de sigilo porque ao cliente será solicitada a devida autorização no momento em que realiza sua chamada. Pode-se imaginar o custo operacional para separar devidamente as chamadas autorizadas das não autorizadas. Tudo indica que, no limite, isso não funcionará. Aliás, a reportagem ("Anatel terá acesso total a dado sigiloso de telefones", 19/1) informa que em nenhum trecho do futuro regulamento é mencionada essa consulta e que isso ficará para "detalhamento" ulterior. Num país despreparado para enfrentar violações clandestinas da comunicação, a imposição de quebra de sigilo mediante simples regulamento faz do Estado um espião potencial: hoje o dedo, amanhã a mão e o braço inteiro. O sigilo de dados é uma hipótese nova, trazida pela Constituição Federal de 1988 (art. 5º, inciso XII): "É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal". O sigilo está referido à comunicação, no interesse da defesa da privacidade (art. 5º, inciso X). O que se regula é a comunicação por correspondência e telegrafia, de dados e telefonia. O que fere a inviolabilidade do sigilo é, pois, entrar na comunicação alheia, fazendo com que o que devia ficar entre sujeitos que se comunicam privadamente passe ilegitimamente ao domínio de um terceiro. Não se trata apenas de intromissão clandestina. A proteção ao sigilo significa exclusão de qualquer um que possa ter outro interesse marcado pela parcialidade. Ou seja, a quebra não pode ser feita por quem não tem o dever de imparcialidade, por mais importantes que sejam suas funções. Assim já se pronunciou o STF. Isso vale para a Anatel, que, ao fiscalizar, tem a competência para a vigilância, mas também para punir. E, para ter acesso aos dois, precisa de autorização judicial. A Constituição admite a quebra de sigilo mediante ordem judicial apenas para a comunicação telefônica e, assim mesmo, só para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. É o que dispõe a lei nº 9.296/96, que regulamenta nesse ponto a Constituição e que se aplica inclusive à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática. O dispositivo entende corretamente o comando constitucional, ao se referir ao fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática. Portanto, a sistemas que registram os atendimentos de usuários e que guardam as interações com usuários, os dados dos contatos, o conteúdo das demandas e as providências tomadas. Atente-se, nesse sentido, que não se trata, afinal, de proteger as operadoras, mas, sim, o próprio consumidor, cujo direito ao sigilo visa assegurar-lhe a identidade diante dos riscos proporcionados pela niveladora pressão social e pela incontrastável impositividade do poder do Estado, até em nome de sua proteção. TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR, 69, é professor titular da Faculdade de Direito da USP. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br Texto Anterior: José Sarney: Ludmila e as chuvas Próximo Texto: Rolf Hackbart: Reforma agrária, uma agenda atual Índice | Comunicar Erros |
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