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TENDÊNCIAS/DEBATES
Crise e oportunidade na saúde
JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI
A crise na área não é apenas do Nordeste, do ano passado ou de salários; é do país inteiro, crônica, financeira e, especialmente, de gestão
GREVE DE médicos causa mortes e é imoral. O mais grave é
que ficou pedagogicamente
demonstrado, no Nordeste brasileiro,
que essa é a forma de eles conquistarem os seus direitos, pois é absurdo
considerar justo o médico trabalhar
por um salário de R$ 1.200 ou com
honorários indignos. A crise na saúde,
entretanto, não é do Nordeste, do ano
passado ou de salários. É do país inteiro, crônica, financeira e, especialmente, de gestão. Pesquisa recente do
Ibope mostrou que a saúde é a principal insatisfação dos brasileiros; nossos índices de mortalidade e morbidade são superiores aos dos países da
América Latina com a mesma renda
per capita; o SUS da Constituição
-duramente conquistado pelos pensadores de saúde do século passado e
pela experiência pioneira do Suds em
São Paulo- apresenta-se hoje retalhado por projetos inacabados, cópias
de modelos ectópicos e na contramão
da Constituição e da história, com
centralização, ociosidade, privatização e parasitismo que o privado exerce sobre o público. A questão financeira agravou-se com a interrupção
da CPMF que, se usada na saúde, elevaria o gasto per capita no setor de
US$ 280 para US$ 350, de qualquer
forma completamente distante dos
US$ 7.000 gastos nos EUA.
Infelizmente, é com esses recursos
que precisamos melhorá-la, até que
se dêem novos rumos à política econômica desastrosa que drena 44% do
Orçamento federal para o pagamento
dos juros de uma dívida que só cresce
e engorda o lucro dos bancos.
A questão é, pois, impositivamente
de gestão. Precisa e tem condições de
ser solucionada, entretanto, fora de
modelos como o americano, médico e
hospitalocêntrico de alta complexidade, que serve mais aos interesses financeiros do que aos de saúde.
Existem países que gastam menos e têm
melhores resultados, e mesmo aqui,
com todas as restrições financeiras,
alguns sistemas públicos e gratuitos,
como o da Rede Sarah em vários Estados do país, o do Hospital Pérola
Byington ou o do Hospital da Mulher
da Unicamp (CAISM) em São Paulo
são exemplos de eficiência e ótimos
resultados. Neles, o gerenciamento é
competente, sério e criativo.
A crise tem um único lado positivo:
pautar a discussão e exigir a mudança,
cujos pontos principais devem ser os
seguintes:
1) priorização da atenção primária
com unidades básicas de saúde minimamente equipadas e com ao menos
três tipos de médico, o pediatra, o ginecologista e o clínico (para os adultos e idosos), trabalhando com a equipe de saúde e delegando-lhe funções,
com treinamento prévio e supervisão,
dentro do conceito correto de atenção primária e integral. Com isso, se
utilizará com resolutividade e universalidade a enorme quantidade de centros de saúde existentes -que funcionam precária e ociosamente-, aliviando hospitais e prontos-socorros;
2) educação para a saúde, dentro e
fora do sistema, pois está provado que
com mudança de hábitos se evitam
80% das mortes por doenças cardiovasculares e 40% das por câncer;
3) descentralização radical com
transferência da responsabilidade
para os municípios (já realizada), incluindo-se condições técnicas e financeiras que lhes foram retiradas. A
descentralização leva a uma gestão
mais eficiente, próxima do usuário, e
ao controle social, antídoto para o uso
distorcido de recursos. Um real no
município é igual a cinco nas mãos do
Estado ou da Federação;
4) corrigir as distorções do sistema
privado, que cobre 40 milhões de brasileiros, com uma legislação justa para usuários de planos de saúde e prestadores de serviços, terminando com
a "segunda porta" dos hospitais universitários e com a ausência do ressarcimento da utilização do SUS pelos planos de saúde, que o lesam em
R$ 2 bilhões por ano.
Com essas medidas, será possível
remunerar melhor os trabalhadores
de saúde, oferecer-lhes uma carreira
digna e engajá-los cognitiva e emocionalmente na implantação dessa política transformadora e redentora da
saúde, onde são essenciais conhecimento e coragem dos gestores públicos para impedir que os políticos se
dobrem a interesses que precisam ser
contrariados ou usem a saúde apenas
para o jornal do dia seguinte.
JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI, 73, é deputado federal
(DEM-SP), professor emérito da USP e da Unicamp e presidente do Imae. Foi secretário de Ensino Superior (2006-07), da Saúde (1987-91) e da Educação (1986-87) do Estado de São Paulo, secretário da Educação do município de
São Paulo (2005-2006) e reitor da Unicamp (1982-86).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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