São Paulo, quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Crise e oportunidade na saúde

JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI

A crise na área não é apenas do Nordeste, do ano passado ou de salários; é do país inteiro, crônica, financeira e, especialmente, de gestão

GREVE DE médicos causa mortes e é imoral. O mais grave é que ficou pedagogicamente demonstrado, no Nordeste brasileiro, que essa é a forma de eles conquistarem os seus direitos, pois é absurdo considerar justo o médico trabalhar por um salário de R$ 1.200 ou com honorários indignos. A crise na saúde, entretanto, não é do Nordeste, do ano passado ou de salários. É do país inteiro, crônica, financeira e, especialmente, de gestão. Pesquisa recente do Ibope mostrou que a saúde é a principal insatisfação dos brasileiros; nossos índices de mortalidade e morbidade são superiores aos dos países da América Latina com a mesma renda per capita; o SUS da Constituição -duramente conquistado pelos pensadores de saúde do século passado e pela experiência pioneira do Suds em São Paulo- apresenta-se hoje retalhado por projetos inacabados, cópias de modelos ectópicos e na contramão da Constituição e da história, com centralização, ociosidade, privatização e parasitismo que o privado exerce sobre o público. A questão financeira agravou-se com a interrupção da CPMF que, se usada na saúde, elevaria o gasto per capita no setor de US$ 280 para US$ 350, de qualquer forma completamente distante dos US$ 7.000 gastos nos EUA.
Infelizmente, é com esses recursos que precisamos melhorá-la, até que se dêem novos rumos à política econômica desastrosa que drena 44% do Orçamento federal para o pagamento dos juros de uma dívida que só cresce e engorda o lucro dos bancos.
A questão é, pois, impositivamente de gestão. Precisa e tem condições de ser solucionada, entretanto, fora de modelos como o americano, médico e hospitalocêntrico de alta complexidade, que serve mais aos interesses financeiros do que aos de saúde.
Existem países que gastam menos e têm melhores resultados, e mesmo aqui, com todas as restrições financeiras, alguns sistemas públicos e gratuitos, como o da Rede Sarah em vários Estados do país, o do Hospital Pérola Byington ou o do Hospital da Mulher da Unicamp (CAISM) em São Paulo são exemplos de eficiência e ótimos resultados. Neles, o gerenciamento é competente, sério e criativo.
A crise tem um único lado positivo: pautar a discussão e exigir a mudança, cujos pontos principais devem ser os seguintes:
1) priorização da atenção primária com unidades básicas de saúde minimamente equipadas e com ao menos três tipos de médico, o pediatra, o ginecologista e o clínico (para os adultos e idosos), trabalhando com a equipe de saúde e delegando-lhe funções, com treinamento prévio e supervisão, dentro do conceito correto de atenção primária e integral. Com isso, se utilizará com resolutividade e universalidade a enorme quantidade de centros de saúde existentes -que funcionam precária e ociosamente-, aliviando hospitais e prontos-socorros;
2) educação para a saúde, dentro e fora do sistema, pois está provado que com mudança de hábitos se evitam 80% das mortes por doenças cardiovasculares e 40% das por câncer;
3) descentralização radical com transferência da responsabilidade para os municípios (já realizada), incluindo-se condições técnicas e financeiras que lhes foram retiradas. A descentralização leva a uma gestão mais eficiente, próxima do usuário, e ao controle social, antídoto para o uso distorcido de recursos. Um real no município é igual a cinco nas mãos do Estado ou da Federação;
4) corrigir as distorções do sistema privado, que cobre 40 milhões de brasileiros, com uma legislação justa para usuários de planos de saúde e prestadores de serviços, terminando com a "segunda porta" dos hospitais universitários e com a ausência do ressarcimento da utilização do SUS pelos planos de saúde, que o lesam em R$ 2 bilhões por ano. Com essas medidas, será possível remunerar melhor os trabalhadores de saúde, oferecer-lhes uma carreira digna e engajá-los cognitiva e emocionalmente na implantação dessa política transformadora e redentora da saúde, onde são essenciais conhecimento e coragem dos gestores públicos para impedir que os políticos se dobrem a interesses que precisam ser contrariados ou usem a saúde apenas para o jornal do dia seguinte.


JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI, 73, é deputado federal (DEM-SP), professor emérito da USP e da Unicamp e presidente do Imae. Foi secretário de Ensino Superior (2006-07), da Saúde (1987-91) e da Educação (1986-87) do Estado de São Paulo, secretário da Educação do município de São Paulo (2005-2006) e reitor da Unicamp (1982-86).

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