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TENDÊNCIAS/DEBATES
Faz sentido manter a Justiça Militar no Brasil da forma como ela é nos dias de hoje?
SIM
Justiça Militar pela defesa da pátria
FLAVIO FLORES DA CUNHA BIERRENBACH
O BRASIL tem uma Justiça Militar desde 1808, com a chegada
da família real. A partir de
1891, com a primeira Constituição republicana, o país passou a ter um Poder Judiciário independente. Desde a
Constituição de 1934, a Justiça Militar está integrada ao Judiciário.
Ao longo de seu período republicano, o Brasil tem vivido uma democracia intermitente, alternando etapas
de razoáveis franquias democráticas
a épocas de acentuado autoritarismo.
De tempos em tempos, sobretudo nas
fases de normalidade institucional,
surgem indagações acerca da conveniência de se manter ainda hoje esse
ramo especializado do Judiciário, que
agora completa seu bicentenário. A
resposta é simples. Não exige mais do
que breve análise para saber, enfim,
se a Justiça Militar tem sido constante positiva ou negativa na história.
Duas questões são recorrentes. A
primeira é a de que se trataria de uma
Justiça corporativa. Fruto da desinformação e do preconceito, não resistiria a simples observação dos julgamentos, pois as decisões são de extrema severidade em relação aos integrantes das Forças Armadas, sejam
oficiais, sejam graduados ou praças.
A segunda é a de que julga escassos
processos e não está imersa num
oceano de litígios, como ocorre no
conjunto do Judiciário, circunstância
que, na verdade, permite melhor e
mais rápida prestação jurisdicional.
A Justiça Militar julga hoje o dobro
dos feitos que julgava há dez anos,
pois quando a criminalidade cresce
na sociedade também cresce nas Forças Armadas, na mesma proporção.
É preciso esclarecer que a Justiça
Militar não julga militares, mas crimes militares. E crimes militares são
basicamente cometidos por integrantes das Forças Armadas, mas também
-e cada vez mais- por civis, desde assaltos a quartéis para roubo de armas
a tráfico de drogas na caserna.
Liberdade e autoridade são conceitos em permanente estado de tensão
dialética. A Justiça Militar é a garantia máxima da preservação de dois
valores que existem para introduzir
civilidade no emprego das Forças Armadas: hierarquia e disciplina. São
atributos essenciais das Forças Armadas, estabelecidos para reduzir o
coeficiente de resistência entre o polo
de comando e o polo de obediência.
São esses valores que mantêm as
Forças Armadas sob controle. Sem
eles, a Marinha, o Exército e a Força
Aérea Brasileira se descaracterizam e
ficariam impedidos de cumprir a sua
missão constitucional primeira, consistente na defesa da soberania da
Pátria, palavra que tem que ser escrita assim mesmo, com inicial maiúscula, como está na Constituição. Sem
hierarquia e disciplina não há Forças
Armadas, mas bandos armados.
Os integrantes das instituições militares são as únicas pessoas de quem
a lei exige o sacrifício da vida. De fato,
a nenhum funcionário público, na
verdade a nenhum cidadão, exceto
aos militares, lei alguma impõe deveres tão radicais, que podem implicar a
obrigação de morrer e até de matar.
A vida é o bem supremo do indivíduo, o maior valor tutelado pelo direito e, por isso, os crimes contra a vida
são os mais graves na legislação de todos os países civilizados. Entretanto,
para os militares, que em determinados momentos e circunstâncias são
obrigados a morrer e a matar, há outro valor maior do que a vida. Esse valor é precisamente a "Pátria", palavra
que aparece escrita uma única vez
em todo o extenso e prolixo texto da
Constituição Federal, precisamente
no artigo 142, que define a singularidade das Forças Armadas. Uma prova
de sabedoria do constituinte de 1988.
Desse fato e desse valor resulta a
norma que em todos os textos constitucionais republicanos tem se mantido a Justiça Militar como ramo especializado do Judiciário, o único -por
isso mesmo- com competência para
aplicar a pena de morte, em tempo de
guerra, como está na Constituição.
A Justiça Militar da União, no Brasil, funciona a partir de regras internacionalmente reconhecidas, assegura a igualdade de todos perante a lei,
respeita os princípios do Estado democrático de Direito e observa os direitos humanos. Está conforme os
mais exigentes critérios de imparcialidade, integridade e independência
estabelecidos nos padrões internacionais dos povos civilizados.
FLAVIO FLORES DA CUNHA BIERRENBACH, 69, advogado, é ministro do Superior Tribunal Militar. Foi procurador
do Estado de São Paulo e deputado federal (PMDB-SP).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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