São Paulo, domingo, 21 de março de 2010

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Debate engessado

Excessivo rigor na questão das candidaturas antecipadas contraria a natureza do processo político democrático

NÃO É SEGREDO para ninguém que a inesgotável série de inaugurações das obras do PAC -existentes ou ainda por fazer- serve como palanque para a candidatura governista às eleições presidenciais.
Do mesmo modo, o virtual candidato do PSDB se envolve em iniciativas de óbvio interesse eleitoral -que vão da intensa propaganda das realizações do governo paulista na TV à recente ampliação do número de beneficiados no programa Renda Cidadã, sem contar atividades menos administrativas, como a observação de desfiles carnavalescos.
Recordem-se a esse propósito as fotos de Dilma Rousseff e José Serra presenciando as evoluções do bloco Galo da Madrugada, no Carnaval do Recife. Sem ser nenhuma carapuça, o adereço folclórico que envergaram na cabeça trazia, tácita, a mensagem inconfundível: são candidatos.
Há assim um componente de formalismo, e outro de hipocrisia, nas reclamações da oposição e nas interpretações da Justiça Eleitoral quanto ao fato de se estar antecipando a campanha sucessória. Ainda que a legislação em vigor deva ser cumprida, são muitas e inevitáveis as frestas que se abrem diante de determinações irrealistas e em última análise contrárias à própria natureza da vida política.
Numa sociedade democrática, não há como desejar que campanhas políticas tenham data para começar. Se a legislação procura, com razão, zelar para que a disputa entre candidatos se dê com um mínimo de igualdade de condições, isso não implica que se deva restringir o processo sucessório em função do calendário da campanha oficial.
A existência de regras para o período em que a disputa começa formalmente não significa que tudo deva ser proibido nos meses que a antecedem.
Com certeza, o abuso da máquina pública, com a arregimentação de servidores para atos políticos, ou o desvio de verbas oficiais para fins partidários, deve ser coibido em qualquer ocasião.
Torna-se difícil, contudo, impedir que uma ministra participe de eventos celebratórios ao lado do presidente, ou que um governador acelere sua agenda de inaugurações antes de desincompatibilizar-se do mandato.
Surgem, desse modo, subterfúgios ridículos de palanque, a que se contrapõem intermitentes iniciativas de punição -como a multa de R$ 5.000 imposta pelo TSE ao presidente Lula por ter "interagido" com a plateia que aclamava a candidatura Dilma Rousseff, em inauguração no Rio de Janeiro.
Dizer, como Lula fez naquela ocasião, que não estava engajado numa campanha em favor de Dilma é de uma inverdade quase cômica -e o eleitor sabe disso. Sabe, também, das movimentações eleitorais da oposição.
Escolherá melhor quanto maior a liberdade para o debate -que formalismos de calendário não devem engessar.


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