|
Próximo Texto | Índice
REFORMA SIM, CPI NÃO
Certos personagens da cena política brasileira parecem ter uma capacidade nata de oferecer soluções equivocadas -quando não mal-intencionadas- para questões certas. A proposta extemporânea de uma CPI para
investigar o Poder Judiciário, apresentada pelo senador Antonio Carlos
Magalhães (PFL-BA), presidente do
Congresso, encaixa-se perfeitamente
nesse padrão. Serve mais para confundir do que para fomentar uma
discussão da qual o país precisa, cada vez mais.
Não é só a estranheza causada pela
ameaça de tutela sobre outro Poder,
por definição independente e soberano. Bastaria, para explicá-la, o conhecido senso de oportunidade de
ACM. O senador não hesita em abraçar causas que fareja populares.
Ninguém discorda de que a Justiça
necessita de reforma radical, que ponha sob escrutínio público o Poder
mais avesso a controle pela sociedade -em franca contradição, aliás,
com seu desempenho, por todos
considerado deficiente. Ocorre que o
próprio regimento interno do Senado Federal, em seu artigo 146, veda
inquéritos sobre o Judiciário.
Cumpriria ainda questionar se uma
CPI constitui o instrumento adequado para pôr em marcha essa reestruturação tão ansiada. Por ora, a invectiva do presidente do Congresso foi
capaz de produzir menos luz do que
calor, na forma de atritos verbais
com os magistrados.
Se é previsível a reação corporativa
dos juízes ao senador, nem por isso
ela se torna justificável como a norma de comportamento em que se
transformou. O Judiciário permanece refratário, aparentemente, a qualquer contribuição externa para aperfeiçoar-se e modernizar-se. É lamentável que, quando parte dele se mobiliza, o faça na defesa de privilégios
-como na recente e absurda paralisação por aumentos em cascata-,
nunca por uma Justiça mais célere.
O diagnóstico não vem de hoje: a
Justiça brasileira, além de sobrecarregada, é lenta e ineficiente. Multiplicou-se o número de tribunais e de alçadas com utilidade escassa ou duvidosa, por vezes instalados em prédios suntuosos, que despertam o ressentimento da população. De outra
parte, a primeira instância -onde se
concentra a maior parte dos casos
julgados- vive na penúria humana e
material, como ficou bem caracterizado em carta de magistrado reproduzida anteontem pelo colunista
Luís Nassif, nesta Folha.
A burocracia judiciária, com seu
proverbial excesso de formalismo regimental e a inevitável proliferação
de chicanas, conspira com a leniência de vários juízes na observância de
prazos processuais para adiar indefinidamente as decisões. A experiência
mostra que, de moto próprio, o Judiciário jamais atacará frontalmente
esse lamentável estado de coisas
-até porque muitos, em sua vasta
estrutura, devem aproveitar essas dificuldades para auferir vantagens.
A agilidade só será conquistada
com alguma forma de verificação de
desempenho dos juízes. Há que encontrar uma modalidade de controle
que respeite a soberania do Judiciário. Um órgão de fiscalização com
atribuições bem definidas, do qual
participem magistrados, representantes da Ordem dos Advogados do
Brasil e do Ministério Público, poderia possivelmente exercer tal papel
-urge portanto que ressurja na pauta das discussões.
Cabe à opinião pública atentar para
esse relevante debate. Ele será longo,
tecnicamente complexo e politicamente sensível. Uma CPI, além de ser
juridicamente questionável, não estimula as virtudes da serenidade e da
consequência, necessárias para levar
a bom termo a impostergável reforma do Judiciário.
Próximo Texto: Editorial: O MEDO TRIBUTÁRIO Índice
|