São Paulo, Domingo, 21 de Março de 1999
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REFORMA SIM, CPI NÃO

Certos personagens da cena política brasileira parecem ter uma capacidade nata de oferecer soluções equivocadas -quando não mal-intencionadas- para questões certas. A proposta extemporânea de uma CPI para investigar o Poder Judiciário, apresentada pelo senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), presidente do Congresso, encaixa-se perfeitamente nesse padrão. Serve mais para confundir do que para fomentar uma discussão da qual o país precisa, cada vez mais.
Não é só a estranheza causada pela ameaça de tutela sobre outro Poder, por definição independente e soberano. Bastaria, para explicá-la, o conhecido senso de oportunidade de ACM. O senador não hesita em abraçar causas que fareja populares.
Ninguém discorda de que a Justiça necessita de reforma radical, que ponha sob escrutínio público o Poder mais avesso a controle pela sociedade -em franca contradição, aliás, com seu desempenho, por todos considerado deficiente. Ocorre que o próprio regimento interno do Senado Federal, em seu artigo 146, veda inquéritos sobre o Judiciário.
Cumpriria ainda questionar se uma CPI constitui o instrumento adequado para pôr em marcha essa reestruturação tão ansiada. Por ora, a invectiva do presidente do Congresso foi capaz de produzir menos luz do que calor, na forma de atritos verbais com os magistrados.
Se é previsível a reação corporativa dos juízes ao senador, nem por isso ela se torna justificável como a norma de comportamento em que se transformou. O Judiciário permanece refratário, aparentemente, a qualquer contribuição externa para aperfeiçoar-se e modernizar-se. É lamentável que, quando parte dele se mobiliza, o faça na defesa de privilégios -como na recente e absurda paralisação por aumentos em cascata-, nunca por uma Justiça mais célere.
O diagnóstico não vem de hoje: a Justiça brasileira, além de sobrecarregada, é lenta e ineficiente. Multiplicou-se o número de tribunais e de alçadas com utilidade escassa ou duvidosa, por vezes instalados em prédios suntuosos, que despertam o ressentimento da população. De outra parte, a primeira instância -onde se concentra a maior parte dos casos julgados- vive na penúria humana e material, como ficou bem caracterizado em carta de magistrado reproduzida anteontem pelo colunista Luís Nassif, nesta Folha.
A burocracia judiciária, com seu proverbial excesso de formalismo regimental e a inevitável proliferação de chicanas, conspira com a leniência de vários juízes na observância de prazos processuais para adiar indefinidamente as decisões. A experiência mostra que, de moto próprio, o Judiciário jamais atacará frontalmente esse lamentável estado de coisas -até porque muitos, em sua vasta estrutura, devem aproveitar essas dificuldades para auferir vantagens.
A agilidade só será conquistada com alguma forma de verificação de desempenho dos juízes. Há que encontrar uma modalidade de controle que respeite a soberania do Judiciário. Um órgão de fiscalização com atribuições bem definidas, do qual participem magistrados, representantes da Ordem dos Advogados do Brasil e do Ministério Público, poderia possivelmente exercer tal papel -urge portanto que ressurja na pauta das discussões.
Cabe à opinião pública atentar para esse relevante debate. Ele será longo, tecnicamente complexo e politicamente sensível. Uma CPI, além de ser juridicamente questionável, não estimula as virtudes da serenidade e da consequência, necessárias para levar a bom termo a impostergável reforma do Judiciário.


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