|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Sexta-feira, o Brasil e nós
JOSÉ SARNEY
É incomum no calendário uma concentração tão significativa de eventos
como neste 21 de abril: Sexta-Feira
Santa, data da Paixão, do martírio de
Tiradentes e da morte de Tancredo
Neves.
Diz são Paulo que sem a cruz não há
cristianismo, que sem a ressurreição
nossa fé desmorona-se.
Glória a Tiradentes, o herói fanático
a pregar com o seu exemplo a necessidade da coesão e da vontade para a
nossa formação: "Se todos quisermos,
o Brasil será um grande país". Pensemos na palavra "todos", que ele usava,
para ressaltar que ninguém pode se
omitir dessa tarefa.
Tancredo Neves, no seu chamamento "não vamos nos dispersar", não se
dirigia somente aos seus seguidores,
mas retomava o ideal de Tiradentes,
da coesão e da unidade. Ele foi o homem que a história preparou para
construir a transição democrática,
sem traumas nem sangue. Uniu o seu
partido, uniu as oposições, uniu o povo brasileiro. Sem ele, a restauração do
Estado de Direito não teria chegado a
bom termo.
Amanhã, Sábado de Aleluia, teremos os 500 anos do Descobrimento
do Brasil. Poucos países, como o nosso, podem datar o seu começo.
Julgar o que foi essa caminhada não
é obra para um dia, mas tarefa constante de avaliação de pensadores de
todos os ramos do conhecimento.
Não é devaneio que se esgote numa
reflexão de aniversário.
Nestes cinco séculos, índios, brancos
e negros viveram um encontro de civilizações, integraram-se na miscigenação que construiu o orgulho de sermos brasileiros, falando um só idioma
no milagre da unidade e do nosso peculiar gosto de convivência, cuja identidade está na diversidade de nossa
cultura.
Não há como fazer cobranças políticas à história sobre o que poderíamos
ter sido e não fomos, nem sobre o que
somos. Ninguém tem a delegação do
espaço-tempo para cobrar o passado,
numa inversão da seta termodinâmica, em que, segundo Hubble, "as pessoas nasceriam velhas e morreriam
crianças".
A última grande cobrança histórica
tem, nesta Semana Santa, um exemplo. Por 2.000 anos, os cristãos cobraram dos judeus a crucificação de Jesus
Cristo. Perseguiram-nos, dizimaram-nos e levaram-nos ao forno crematório e às diferentes Inquisições, para
pedir, agora, perdão por essa iniquidade. ("Não julgueis para não serdes
julgado.")
Somos usufrutuários da construção
deste grande Brasil, devedores de todos que o fizeram, como o futuro será
devedor de nós, que o fazemos, hoje,
no forte sangue caldeado pelos séculos
de índios, negros, brancos, amarelos e
gentes de todas as partes do mundo.
Gratidão aos fundadores portugueses que, numa epopéia extraordinária,
descobriram terras, ampliando os espaços do mundo quinhentista "por
mares nunca dantes navegados".
Como dizia meu avô em data de aniversário: "Ruim é não fazer; quero festa!".
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Marcelo Beraba: Sem líderes Próximo Texto: Frases
Índice
|