São Paulo, sexta-feira, 21 de abril de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Sexta-feira, o Brasil e nós

JOSÉ SARNEY

É incomum no calendário uma concentração tão significativa de eventos como neste 21 de abril: Sexta-Feira Santa, data da Paixão, do martírio de Tiradentes e da morte de Tancredo Neves.
Diz são Paulo que sem a cruz não há cristianismo, que sem a ressurreição nossa fé desmorona-se.
Glória a Tiradentes, o herói fanático a pregar com o seu exemplo a necessidade da coesão e da vontade para a nossa formação: "Se todos quisermos, o Brasil será um grande país". Pensemos na palavra "todos", que ele usava, para ressaltar que ninguém pode se omitir dessa tarefa.
Tancredo Neves, no seu chamamento "não vamos nos dispersar", não se dirigia somente aos seus seguidores, mas retomava o ideal de Tiradentes, da coesão e da unidade. Ele foi o homem que a história preparou para construir a transição democrática, sem traumas nem sangue. Uniu o seu partido, uniu as oposições, uniu o povo brasileiro. Sem ele, a restauração do Estado de Direito não teria chegado a bom termo.
Amanhã, Sábado de Aleluia, teremos os 500 anos do Descobrimento do Brasil. Poucos países, como o nosso, podem datar o seu começo.
Julgar o que foi essa caminhada não é obra para um dia, mas tarefa constante de avaliação de pensadores de todos os ramos do conhecimento. Não é devaneio que se esgote numa reflexão de aniversário.
Nestes cinco séculos, índios, brancos e negros viveram um encontro de civilizações, integraram-se na miscigenação que construiu o orgulho de sermos brasileiros, falando um só idioma no milagre da unidade e do nosso peculiar gosto de convivência, cuja identidade está na diversidade de nossa cultura.
Não há como fazer cobranças políticas à história sobre o que poderíamos ter sido e não fomos, nem sobre o que somos. Ninguém tem a delegação do espaço-tempo para cobrar o passado, numa inversão da seta termodinâmica, em que, segundo Hubble, "as pessoas nasceriam velhas e morreriam crianças".
A última grande cobrança histórica tem, nesta Semana Santa, um exemplo. Por 2.000 anos, os cristãos cobraram dos judeus a crucificação de Jesus Cristo. Perseguiram-nos, dizimaram-nos e levaram-nos ao forno crematório e às diferentes Inquisições, para pedir, agora, perdão por essa iniquidade. ("Não julgueis para não serdes julgado.")
Somos usufrutuários da construção deste grande Brasil, devedores de todos que o fizeram, como o futuro será devedor de nós, que o fazemos, hoje, no forte sangue caldeado pelos séculos de índios, negros, brancos, amarelos e gentes de todas as partes do mundo.
Gratidão aos fundadores portugueses que, numa epopéia extraordinária, descobriram terras, ampliando os espaços do mundo quinhentista "por mares nunca dantes navegados".
Como dizia meu avô em data de aniversário: "Ruim é não fazer; quero festa!".


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Marcelo Beraba: Sem líderes
Próximo Texto: Frases

Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.