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BORIS FAUSTO
Eleições na Argentina
Em meio aos horrores do mundo
-as investidas sangrentas dos
falcões de Washington, as violências
do castrismo fossilizado-, as eleições
argentinas se configuram como um
prato leve.
É fácil explicar. Em si mesmas, elas
são o desfecho não desastroso de uma
conjuntura política que parecia encaminhar-se para o caos. No plano da
economia, o governo argentino conseguiu evitar a hiperinflação e o país
conhece alguma melhora, em meio a
uma situação que de dramática se
converteu em difícil. O setor exportador prospera, a moeda se mantém firme em relação ao dólar e se espera
uma taxa de crescimento de 4% do
PIB para este ano, a partir, é bem verdade, do fundo do poço.
Uma das marcas principais do quadro partidário é sua fragmentação.
Como lembra Pablo Gerchunoff, economista da Universidade Torcuato Di
Tella, a Argentina atravessou décadas
de vitórias peronistas, entremeadas de
alguns êxitos dos radicais, em uma sequência interrompida por ditaduras
militares. Agora, o peronismo se divide em três candidatos -Carlos Menem, Néstor Kirchner e Rodríguez
Saá- e, enquanto a União Cívica Radical desaparece (para sempre?) de cena, dois candidatos -López Murphy
e Elisa Carrió- são provenientes de
suas fileiras. Isso sem falar de outras 16
candidaturas de menor expressão.
Segundo as pesquisas, as preferências eleitorais revelam a mesma fragmentação. Se Menem e Kirchner parecem estar um pouco à frente, é impossível afirmar que os demais estejam fora da disputa.
Além disso, há uma grande volatilidade na escolha, pois 80% dos eleitores com candidato afirmam que ainda
poderão mudar o voto. Não é desprezível o temor de que um resultado
apertado no primeiro turno acirre a
disputa, com acusações de fraude,
tanto mais que ainda se utilizam cédulas de papel no processo de votação.
Os candidatos não representam apenas "mais do mesmo", embora não se
preveja uma ruptura radical e se saiba,
lá como cá, que não devemos levar a
sério promessas de campanha e bravatas de oposicionistas quando chegam ao poder. Com essa ressalva, existe um leque de estilos e inclinações diversas, que vão da centro-direita com
compromisso democrático (López
Murphy) ao igualitarismo de Elisa
Carrió, passando pelo populismo justicialista de várias tintas, que tem em
Rodríguez Saá seu representante mais
estridente. Por outro lado, exemplificando, enquanto Menem aparece como uma figura política forte, Kirchner, proveniente de uma província
inexpressiva, parece depender da força de Duhalde, seu padrinho político.
Analisando a atual configuração política, o sociólogo Juan Carlos Torre,
também da Universidade Di Tella, sugere que talvez a Argentina se encontre diante de uma segunda transição
democrática, que poderia ser o ponto
de partida de uma transformação da
cultura política. Gerchunoff não descarta essa hipótese, mas pergunta se as
eleições de 27 de abril não resultariam
apenas na confirmação do predomínio eleitoral do peronismo, em suas
várias versões, e num método para dirimir o conflito partidário interno pela
liderança. Perguntas vitais, sem resposta imediata.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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