UOL




São Paulo, segunda-feira, 21 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

BORIS FAUSTO

Eleições na Argentina

Em meio aos horrores do mundo -as investidas sangrentas dos falcões de Washington, as violências do castrismo fossilizado-, as eleições argentinas se configuram como um prato leve.
É fácil explicar. Em si mesmas, elas são o desfecho não desastroso de uma conjuntura política que parecia encaminhar-se para o caos. No plano da economia, o governo argentino conseguiu evitar a hiperinflação e o país conhece alguma melhora, em meio a uma situação que de dramática se converteu em difícil. O setor exportador prospera, a moeda se mantém firme em relação ao dólar e se espera uma taxa de crescimento de 4% do PIB para este ano, a partir, é bem verdade, do fundo do poço.
Uma das marcas principais do quadro partidário é sua fragmentação. Como lembra Pablo Gerchunoff, economista da Universidade Torcuato Di Tella, a Argentina atravessou décadas de vitórias peronistas, entremeadas de alguns êxitos dos radicais, em uma sequência interrompida por ditaduras militares. Agora, o peronismo se divide em três candidatos -Carlos Menem, Néstor Kirchner e Rodríguez Saá- e, enquanto a União Cívica Radical desaparece (para sempre?) de cena, dois candidatos -López Murphy e Elisa Carrió- são provenientes de suas fileiras. Isso sem falar de outras 16 candidaturas de menor expressão.
Segundo as pesquisas, as preferências eleitorais revelam a mesma fragmentação. Se Menem e Kirchner parecem estar um pouco à frente, é impossível afirmar que os demais estejam fora da disputa.
Além disso, há uma grande volatilidade na escolha, pois 80% dos eleitores com candidato afirmam que ainda poderão mudar o voto. Não é desprezível o temor de que um resultado apertado no primeiro turno acirre a disputa, com acusações de fraude, tanto mais que ainda se utilizam cédulas de papel no processo de votação.
Os candidatos não representam apenas "mais do mesmo", embora não se preveja uma ruptura radical e se saiba, lá como cá, que não devemos levar a sério promessas de campanha e bravatas de oposicionistas quando chegam ao poder. Com essa ressalva, existe um leque de estilos e inclinações diversas, que vão da centro-direita com compromisso democrático (López Murphy) ao igualitarismo de Elisa Carrió, passando pelo populismo justicialista de várias tintas, que tem em Rodríguez Saá seu representante mais estridente. Por outro lado, exemplificando, enquanto Menem aparece como uma figura política forte, Kirchner, proveniente de uma província inexpressiva, parece depender da força de Duhalde, seu padrinho político.
Analisando a atual configuração política, o sociólogo Juan Carlos Torre, também da Universidade Di Tella, sugere que talvez a Argentina se encontre diante de uma segunda transição democrática, que poderia ser o ponto de partida de uma transformação da cultura política. Gerchunoff não descarta essa hipótese, mas pergunta se as eleições de 27 de abril não resultariam apenas na confirmação do predomínio eleitoral do peronismo, em suas várias versões, e num método para dirimir o conflito partidário interno pela liderança. Perguntas vitais, sem resposta imediata.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Saddam e Saddans
Próximo Texto: Frases

Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.