São Paulo, quarta-feira, 21 de abril de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O MST e os rumos do país

RAMEZ TEBET

A eficácia de um governo deve ser medida tanto pela sua capacidade de gerar resultados quanto pela garantia de estabilidade institucional. Significa dizer que nenhum governo consegue alçar o patamar da credibilidade caso não consiga impor sua autoridade sobre a esfera social, garantindo a efetividade dos princípios constitucionais e o respeito ao Estado de Direito. Essa é a preocupação que se alastra nos conjuntos parlamentares e que tem como vetor a exacerbação levada a cabo pelo movimento dos sem-terra, nesse momento em que o governo Lula carece, mais do que nunca, fazer correção de rotas, ajustar situações, impor ritmo mais acelerado à administração e, sobretudo, preservar as conquistas na esfera da estabilidade macroeconômica, condição indispensável à manutenção do país na galeria da confiança internacional.
Se é um direito legítimo do MST reivindicar o assentamento de famílias, dentro das cotas estabelecidas com o governo, é um dever deste e de tantos outros movimentos da sociedade civil organizada procurar concretizá-lo de acordo com as normas do direito, tendo como balizamento o respeito à propriedade privada, o diálogo permanente com os atores envolvidos no programa de reforma agrária e a clara disposição para buscar, pela via democrática, as urgentes respostas às suas demandas e reivindicações.


Liberar recursos sob pressão é submissão à desordem. Essa postura acabará tornando o governo refém das circunstâncias


Transformar o país em um território conturbado por invasões continuadas de propriedades, aí incluídas fazendas-modelo, que inspiram projetos de altos investimentos internacionais, constitui não apenas retrocesso histórico, pelo caráter de barbárie, mas a desmoralização do governo, com sérios riscos institucionais. Ou o governo sai da inércia em que se encontra, agindo de maneira tempestiva para evitar os desmandos, ou acabará sendo acusado de leniente e dúbio, o que, convenhamos, contribuirá para acelerar o processo de corrosão da imagem da administração federal.
A verdade é que, depois de um atribulado 2003, quando se registrou aumento de 115% no número de invasões de terra em relação ao ano anterior, o Brasil já sente, neste "avermelhado" abril, os efeitos da feroz escalada que não tem prazo para terminar. Já são 220 invasões dentro do governo Lula, mais do que o dobro do período administrado por seu antecessor. É ainda verdade que o PT sempre foi um aliado incondicional do MST. Ocorre que, na posição de governo, não deve e não pode continuar acolhendo seu antigo parceiro com agrados e salamaleques, fechando os olhos às violações legais, curvando-se e abrindo o cofre para atender às pressões. Liberar recursos sob pressão é submissão à desordem. Essa postura acabará tornando o governo refém das circunstâncias.
Se há mais de 4 milhões de famílias esperando por assentamento, conforme garante o MST, não é esse expressivo número que justifica a máxima maquiavélica dos fins justificando os meios. O Brasil há muito tempo deixou de ser uma republiqueta ocupada pela barbárie. Nas nações livres e soberanas, nenhuma causa, por mais nobre que seja, sustenta-se em métodos que comprometam a ordem normativa e atentem contra direitos alheios. O Estado democrático não pode permitir que forças paralelas ao seu poder violem a legalidade.
Não se pode negar a evidência de que a violência física, econômica e jurídica que as invasões representam não corrigirá, jamais, as distorções históricas geradas pela concentração da terra em nosso país. Há de reconhecer, também, que na área da reforma agrária as sucessivas administrações federais têm avançado muito pouco.
Na memória nacional estão fortemente gravados os sangrentos conflitos de Corumbiara, em Rondônia, e de Eldorado do Carajás, no Pará, que marcaram, na década passada, o ciclo conturbado no campo brasileiro. Nos últimos dez anos, mais de 450 mil pessoas estiveram envolvidas em conflitos agrários que resultaram em mais de 350 mortes. Se os governos continuarem andando a passos de tartaruga, os conflitos tenderão a se agravar. Facões e espingardas continuarão a abrir fronteiras de sangue nos campos.
Há de entender, ainda, que a violência, instigada tanto por grupamentos sem terra quanto por proprietários, intranqüiliza especialmente aqueles que efetivamente produzem e contribuem para o fortalecimento da economia rural e o crescimento do país. É o caso, por exemplo, do agronegócio, que representa um terço do nosso PIB e mais de 30% das nossas exportações. A pujança do setor descortina promissores horizontes também no aspecto da ocupação da mão-de-obra no campo, visto que as atividades do agronegócio empregam quase 40% da mão de obra brasileira.
Diante dessa moldura, cabe ao governo estabelecer e implantar uma sólida política para os assentamentos rurais, de forma a contemplar a meta de 115 mil famílias neste ano. Critérios técnicos e normas processuais precisam ser reforçadas e aplicadas com eficácia. E os poderes constituídos devem tomar, de uma vez por todas, o lugar primordial que lhes cabe na condução de uma política de reforma agrária baseada nos princípios da justiça e do direito.

Ramez Tebet, 67, advogado, é senador pelo PMDB-MS e presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Presidiu a Casa de 2001 a 2003.


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