São Paulo, quarta-feira, 21 de abril de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Política e licenciamento ambiental

NILVO LUIZ ALVES DA SILVA

Neste mesmo espaço, no dia 6 de abril, Édis Milaré criticou a instrumentalização política do licenciamento (""Politização" na gestão ambiental'). Concordo com a crítica. Os casos apresentados são certamente repudiados pela maioria das instituições de meio ambiente no país.
O licenciamento ambiental vem sendo apontado como um "obstáculo ao desenvolvimento do país". As instituições de meio ambiente, que têm enfrentado constrangimentos de toda ordem (orçamentários, de quadros técnicos, de equipamentos etc.), passam agora pela tentativa mais aberta de constrangimento político. Elas têm sido responsabilizadas pela paralisação de obras inexistentes, de obras embargadas judicialmente, de obras sem recursos, pela má concepção de projetos, pela má qualidade dos estudos ambientais e pela existência de conflitos sociais concretos envolvendo esses projetos.
Não se quer dizer com isso que não existe problema a ser discutido. Entretanto há muitas causas e muitos responsáveis pelos impasses que vêm ocorrendo nos processos de licenciamento ambiental. Apresentarei alguns pontos que não esgotam o tema, mas ajudam a recolocar a questão.
O processo de licenciamento, ao contrário da maioria dos processos de tomada de decisão, é aberto. Por lei, os estudos de impacto ambiental devem ficar disponíveis à sociedade e devem ser discutidos em audiências públicas. Essa é uma característica fundamental do licenciamento ambiental: há oportunidade para informação, contestação e participação da sociedade.
Historicamente, o planejamento das grandes obras de infra-estrutura foi pensado sem considerar as questões ambientais (legais e técnicas) e os conflitos sociais que engendram. Ambas são reais, distantes da idéia de "obstáculos burocráticos".


Há muitas causas e muitos responsáveis pelos impasses que vêm ocorrendo nos processos de licenciamento ambiental


O caso do setor elétrico pode ser tomado como exemplo -e o novo modelo poderá mudar essa prática. O processo de concessão de hidrelétricas tem sido baseado apenas nos estudos de viabilidade técnica e econômica. A viabilidade ambiental e a análise dos conflitos sociais (muitas vezes com milhares de famílias atingidas) só são realizadas dentro do licenciamento ambiental (através dos estudos de impacto ambiental e das audiências públicas) quando importantes decisões e investimentos já foram realizados.
Portanto são as próprias deficiências do processo de planejamento da infra-estrutura que tornam o licenciamento ambiental excessivamente complexo e conflitivo. Esse processo de planejamento, fechado e insensível social e ambientalmente, gera conflitos crescentes nesta sociedade cada vez mais democrática, com Ministérios Públicos atuantes, pautada pelo respeito às leis e pelos direitos constitucionais.
Mas as instituições de meio ambiente também precisam mudar. É preciso ser mais aberto e transparente, ampliar o diálogo com a sociedade e com os planejadores da infra-estrutura. É preciso ampliar a capacidade operacional. É preciso -e este é um ponto fundamental- desenvolver a capacidade de planejar e pensar estrategicamente. Via de regra, o licenciamento ambiental de projetos individuais tem operado num vazio de planejamento, tanto do ponto de vista técnico como do ponto de vista de acordos sociais mais amplos. Instrumentos de planejamento como avaliação ambiental estratégica, zoneamento ecológico-econômico, planos de bacia e tantos outros precisam ser desenvolvidos de forma sistemática no país.
É da interação desse conjunto de mudanças que nascerão políticas integradas. São essas políticas integradas que, ao anteciparem o tratamento de conflitos socioambientais e legais, produzirão melhores projetos e tornarão mais simples os processos individuais de licenciamento ambiental.
Estamos em um momento importante. A proposição de resolver a questão pela simples subtração do problema ("obstáculos ambientais") é irracional. Da perspectiva mais pragmática, ela tende apenas a aumentar os conflitos já existentes (como demonstrado pelo número crescente de ações judiciais envolvendo obras de infra-estrutura). A alternativa a essa proposição começa com uma mudança simples: investir nas instituições de meio ambiente, na qualificação de seus técnicos, nos meios materiais indispensáveis para que realizem sua responsabilidade social.
São várias as iniciativas do Ministério do Meio Ambiente, do Ibama e das secretarias estaduais de Meio Ambiente para o reforço da estrutura de licenciamento no país; e as diversas agendas de trabalho, dentro e fora do governo, com a área de infra-estrutura têm-nos permitido identificar questões de caráter mais estrutural e suas soluções. O diálogo que temos estabelecido com os diversos setores sociais e também com instituições representativas do empresariado nacional demonstra que há condições para pensar infra-estrutura e meio ambiente de forma integrada.
Expandindo a preocupação de Édis Milaré, digo que é preciso combater a má política, tanto a que instrumentaliza o licenciamento para alcançar propósitos que nada têm a ver com o meio ambiente, como a que instrumentaliza dificuldades e conflitos concretos (institucionais, sociais e legais) para constranger as instituições de meio ambiente.

Nilvo Luiz Alves da Silva, 42, engenheiro químico, mestre em ecologia pela UFRGS e em gestão ambiental pela Universidade de Londres, é diretor de Licenciamento Ambiental do Ibama.


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