|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
Desafios do Cade no século 21
JOÃO GRANDINO RODAS
"Cade" se tornou uma marca, identificando o conjunto de órgãos que compõem o Sistema Brasileiro de
Defesa da Concorrência
QUARENTA e seis anos após sua
instituição e 14 anos depois da
edição da vigente Lei Concorrencial (lei nº 8.884/94), a sigla Cade,
mais do que designar o Conselho Administrativo de Defesa Econômica,
transformou-se em verdadeira marca, passando a identificar o conjunto
de órgãos que hoje compõem o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC).
Sua consolidação perante o grande
público ocorreu na última década,
quando o Brasil, abandonando a política de substituição das importações,
abriu-se ao comércio exterior e teve
sua hiperinflação domada. A partir
daí, o Cade -ou, mais propriamente
dizendo, o SBDC-, passou a ter efetividade e reconhecimento crescentes.
É inegável que o sistema vem trabalhando com maior coordenação, apesar de ser ele composto por órgãos autônomos e ligados a ministérios distintos. Conseguiu abreviar o tempo
médio de tramitação dos procedimentos; tornou-se mais efetivo na luta contra os ilícitos antitruste, mormente os cartéis; deixou de dedicar
quase todo o seu tempo aos expedientes de concentração; além de ter ingressado na era da transação, administrativa e judicial.
Inobstante o consenso de que a lei
atual seja boa, há duas propostas de
aprimoramento em tramitação: o
projeto de lei nº 3.937/04, do deputado Cadoca, e o projeto de lei nº
5.877/05, do Executivo, este contemplado no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
O segundo foi apensado ao primeiro, estando pendente decisão pela Comissão Especial, criada pela Câmara
dos Deputados para analisá-los. O relator, deputado federal Ciro Gomes
(PSB-CE), apresentou seu parecer final em agosto do ano passado, que até
agora nem sequer foi votado pela referida comissão.
Diante da paralisação do Parlamento, resta centrar esforços no
aperfeiçoamento da aplicação da lei
vigente.
Nunca é demais ressaltar a importância do direito concorrencial, que,
além de ser um dos pilares da economia capitalista, representa garantia
de menores preços e maior qualidade
dos produtos para os consumidores.
Determina a lei caber ao SBDC divulgar a cultura da concorrência. É vital o incremento dessa tarefa pedagógica, pois a grande maioria das empresas brasileiras são médias e pequenas, não tendo elas possibilidade
de se inteirar das grandes linhas do
direito concorrencial.
E, sendo o direito concorrencial
permeado de conceitos econômicos,
cuja interpretação pode variar, os
destinatários de suas normas só conhecerão o seu real alcance examinando o conjunto de precedentes. Daí
a importância de a jurisprudência do
SBDC evoluir crescendo, nunca
abruptamente, aos saltos.
Embora o Cade seja um tribunal
administrativo formado por juristas e
economistas, é preciso ter em mente
que a legislação concorrencial faz
parte do ordenamento jurídico nacional e, como tal, deve ser aplicada, inclusive no tocante ao devido processo
legal, às garantias fundamentais das
pessoas físicas e jurídicas e aos princípios gerais de direito.
Antes de se deixar guiar por precedentes estrangeiros bombásticos, é
preciso verificar sua real aplicabilidade, bem como lembrar que a atração
de investimentos estrangeiros não se
opera da mesma forma em países em
desenvolvimento e em países do Primeiro Mundo.
Note-se ainda que a aplicação correta não se coaduna com uma atitude
messiânica ou militante do aplicador
da lei. Nem com a idéia de que, por
ser o Cade um órgão técnico de respeito, suas decisões são insuscetíveis
de revisão judicial. Mais. É fundamental o Cade estudar a fundo as
questões apresentadas antes de se
considerar incompetente sob o fundamento de não se tratar de problema
concorrencial.
Por fim, urge o SBDC buscar abranger todos os setores da economia, pois
a lei não confere isenção antitruste a
nenhum deles. Assim como deve procurar ampliar as garantias de inviolabilidade das informações sigilosas recebidas das empresas.
JOÃO GRANDINO RODAS, 62, desembargador federal
aposentado, é presidente do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul e diretor da Faculdade de Direito da
USP. Foi presidente do Cade (Conselho Administrativo de
Defesa Econômica).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Ricardo Veiga: Engenharia, a reengenharia do futuro
Índice
|