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Estranha decisão
Para a retomada da usina de Angra 3, governo federal deveria fazer nova licitação, e não validar processo de 1983
DEPOIS DE 23 anos de paralisação, a construção
de Angra 3 será retomada nos próximos
dias. A Eletronuclear prevê que
em 2014 a usina poderá entrar
em operação, acrescentando
1.350 MW à matriz energética
nacional. Com as três plantas em
funcionamento, o complexo nuclear de Angra dos Reis poderá
suprir 70% da demanda energética do Estado do Rio de Janeiro.
Desde 1984, quando as obras
da terceira unidade foram iniciadas -para serem interrompidas
dois anos depois-, mudou a percepção sobre os benefícios e as
desvantagens da utilização da
energia nuclear. Poucas vozes se
levantam hoje contra a retomada
dessa obra.
O avanço tecnológico tornou
as usinas nucleares mais seguras.
Sua energia é considerada limpa,
por não emitir gases responsáveis pelo efeito estufa.
A realidade mudou, mas a forma no mínimo desleixada de as
autoridades lidarem com esse investimento bilionário permanece. É lamentável que o governo
Lula tenha optado por não fazer
novas licitações para a usina. Decidiu, em vez disso, revalidar a
concorrência vencida pela construtora Andrade Gutierrez em
1983, no governo de João Baptista Figueiredo (1979-1985).
A decisão coloca sob questionamento uma das maiores obras
da atual administração, que deverá consumir R$ 7,3 bilhões.
Empresas concorrentes, decerto
interessadas no contrato, argumentam que, desde 1983, houve
um avanço tecnológico capaz de
reduzir substancialmente o custo das obras em usinas nucleares.
Mas isso não foi levado em conta.
Em vez de refazer a licitação, a
fim de no mínimo tentar baixar o
custo, o Planalto manteve os
contratos das obras civis e também dos equipamentos a serem
adquiridos no exterior.
Em dólares, o valor pulou de
US$ 1,8 bilhão para cerca de US$
3,3 bilhões, aproximadamente. A
Eletronuclear afirma que tal aumento resulta exclusivamente
da variação cambial. Mas, de todo modo, não procurou reduzir o
desembolso do contribuinte,
mediante nova concorrência.
Ao avaliar o tema, em setembro de 2008, o plenário do TCU
não impediu a revalidação dos
contratos. Apontou "indícios de
irregularidade grave", mas curiosamente não recomendou a paralisação do empreendimento.
Há razões de sobra para que a
licitação seja refeita. A Andrade
Gutierrez está entre os maiores
doadores eleitorais do PT. Em
2008, o braço de telefonia do
grupo, a AG Telecom, foi beneficiado pelo decreto presidencial
que permitiu a fusão das empresas de telefonia Brasil Telecom e
Oi/Telemar. Da fusão surgiu a gigante BrOi, da qual a construtora
é uma das controladoras.
A maior parte do custo de uma
usina nuclear está na sua construção, e não na operação. O prejuízo de adiar as obras para a reavaliação contratual seria pequeno diante de montantes tão elevados. Se a revisão não for feita, a
história acidentada da implantação da energia nuclear no país
poderá ganhar novos desdobramentos. A decisão provavelmente será contestada na Justiça.
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