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Fracasso e esperança
País comemora o cinquentenário de Brasília às voltas com antigos problemas e expectativas renovadas
CINQUENTA ANOS depois
da inauguração oficial
de Brasília, não seria impossível dizer, com certo otimismo, que o país aos poucos reencontra um caminho que,
nas últimas décadas, muitas vezes pareceu inalcançável -e que
se associa, na memória nacional,
aos "anos dourados" do governo
Kubitschek.
Desde a década de 1950, com
efeito, não se experimentava a
combinação de democracia com
crescimento econômico. Ainda
que os índices atuais de crescimento precisem se mostrar sustentáveis ao longo do tempo,
venceu-se um tipo de raciocínio
desanimador e enganoso.
A saber, o de que a aceleração
da atividade econômica tendia a
ser acompanhada, nos países latino-americanos, de taxas elevadas de inflação e acirramento das
demandas sociais -tornando
quase inevitável o aparecimento
de ciclos de autoritarismo político para que se controlassem, à
força, os movimentos reivindicatórios da população.
O desaparecimento desse mito
não resultou das virtudes particulares de algum governo, mas
de um processo bem-sucedido
de democratização, a que se somaram circunstâncias favoráveis no ambiente externo -tanto
do ponto de vista político-ideológico, com o fim da Guerra Fria,
quanto no aspecto econômico,
com o fenômeno global das soluções para o endividamento externo e a inflação crônica dos
países subdesenvolvidos.
Abre-se, como nos anos 50, um
espaço mental para que se veja o
futuro do Brasil sem o desalento
e o catastrofismo com que, a partir de 1980 pelo menos, muitos
setores da opinião pública se
acostumaram a conviver.
Cinquenta anos depois da
inauguração oficial de Brasília
-cabe repetir, aqui, a fórmula
com que se iniciou este comentário- é forçoso reconhecer, contudo, o quanto havia de precipitado e mesmo delirante nas esperanças que cercaram a criação
da nova capital.
Brasília seria uma resposta para quase tudo. Centro racional de
decisões, livre da pressão das
grandes cidades e das intrigas da
política tradicional; mecanismo
mágico para a ocupação econômica das vastidões do interior;
solução para o problema das favelas e da desorganização urbana; modelo utópico de igualitarismo; prova do espírito empreendedor dos brasileiros, paradoxalmente levada a cabo pelo
voluntarismo de um governante.
Não é preciso invocar o exemplo recente do ex-governador
José Roberto Arruda, ou a incontornável visão das favelas que se
criaram ao redor do Plano Piloto,
para perceber de que modo os
problemas seculares do Brasil se
reproduziram, e talvez se agravaram, no ambiente de Brasília. Patrimonialismo, estatismo e corrupção; insensibilidade social,
desperdício e autoritarismo; luxo, miséria e alheamento encontram morada na capital cinquentenária -que simboliza, em
poeira e mármore, uma realidade que há 500 anos se divide entre o fracasso e a esperança.
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