São Paulo, quarta-feira, 21 de abril de 2010

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Fracasso e esperança

País comemora o cinquentenário de Brasília às voltas com antigos problemas e expectativas renovadas

CINQUENTA ANOS depois da inauguração oficial de Brasília, não seria impossível dizer, com certo otimismo, que o país aos poucos reencontra um caminho que, nas últimas décadas, muitas vezes pareceu inalcançável -e que se associa, na memória nacional, aos "anos dourados" do governo Kubitschek.
Desde a década de 1950, com efeito, não se experimentava a combinação de democracia com crescimento econômico. Ainda que os índices atuais de crescimento precisem se mostrar sustentáveis ao longo do tempo, venceu-se um tipo de raciocínio desanimador e enganoso.
A saber, o de que a aceleração da atividade econômica tendia a ser acompanhada, nos países latino-americanos, de taxas elevadas de inflação e acirramento das demandas sociais -tornando quase inevitável o aparecimento de ciclos de autoritarismo político para que se controlassem, à força, os movimentos reivindicatórios da população.
O desaparecimento desse mito não resultou das virtudes particulares de algum governo, mas de um processo bem-sucedido de democratização, a que se somaram circunstâncias favoráveis no ambiente externo -tanto do ponto de vista político-ideológico, com o fim da Guerra Fria, quanto no aspecto econômico, com o fenômeno global das soluções para o endividamento externo e a inflação crônica dos países subdesenvolvidos.
Abre-se, como nos anos 50, um espaço mental para que se veja o futuro do Brasil sem o desalento e o catastrofismo com que, a partir de 1980 pelo menos, muitos setores da opinião pública se acostumaram a conviver.
Cinquenta anos depois da inauguração oficial de Brasília -cabe repetir, aqui, a fórmula com que se iniciou este comentário- é forçoso reconhecer, contudo, o quanto havia de precipitado e mesmo delirante nas esperanças que cercaram a criação da nova capital.
Brasília seria uma resposta para quase tudo. Centro racional de decisões, livre da pressão das grandes cidades e das intrigas da política tradicional; mecanismo mágico para a ocupação econômica das vastidões do interior; solução para o problema das favelas e da desorganização urbana; modelo utópico de igualitarismo; prova do espírito empreendedor dos brasileiros, paradoxalmente levada a cabo pelo voluntarismo de um governante.
Não é preciso invocar o exemplo recente do ex-governador José Roberto Arruda, ou a incontornável visão das favelas que se criaram ao redor do Plano Piloto, para perceber de que modo os problemas seculares do Brasil se reproduziram, e talvez se agravaram, no ambiente de Brasília. Patrimonialismo, estatismo e corrupção; insensibilidade social, desperdício e autoritarismo; luxo, miséria e alheamento encontram morada na capital cinquentenária -que simboliza, em poeira e mármore, uma realidade que há 500 anos se divide entre o fracasso e a esperança.


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