|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANTONIO DELFIM NETTO
Virtudes e crenças
É INEGÁVEL o efeito benéfico
da estabilização das expectativas inflacionárias produzidas pela ação coordenada de uma
política fiscal austera e de uma política monetária orientada por um
Banco Central autônomo. Elas
permitem o financiamento do
pleno uso dos recursos disponíveis
para a produção do PIB a uma taxa
de juro real interna próxima à
externa.
Do ponto de vista social, reduzem-se as naturais tensões distributivas entre a remuneração do
trabalho (o salário real) e do capital
(a sua taxa de retorno), dando
maior clareza e justiça ao processo.
A distribuição do "excedente" (o
resíduo total) apurado na produção realizada é resultado de um
processo político, não obstante,
que deve obedecer a limites físicos.
A distribuição do "excedente"
determina, de um lado, o avanço da
"renda" dos trabalhadores (o que
aumenta o consumo) e, de outro, a
capacidade de investimento dos
empresários. Esta, por sua vez, determina a demanda de trabalho
(que assegura o aumento futuro
dos salários).
Dependendo do poder de barganha que a organização dos trabalhadores lhes dá, eles poderão
apropriar-se de parcela maior ou
menor do "excedente", sob uma
condição: a continuidade do processo exige que o aumento do salário real seja inferior ao aumento da
produtividade física do trabalho.
A tentativa de violar essa restrição criará, inevitavelmente, uma
pressão inflacionária que o BC autônomo controlará com um aumento da taxa de juro real, o que levará à redução do crescimento e ao
aumento do desemprego. Esse mecanismo controla também as tentativas do governo de aumentar
sua participação no PIB através do
aumento do seu deficit. Como ele
não pode ser financiado pelo BC,
deve sê-lo pelo mercado, com a elevação da taxa de juros, produzindo
os mesmos efeitos constritores na
demanda global.
A estabilização da expectativa
inflacionária produz, adicionalmente, uma consequência alocativa muito importante. Facilita o
funcionamento dos mercados e
possibilita o estabelecimento de
preços relativos que medem melhor a escassez de bens e serviços e
gera, assim, aumento da produtividade geral do sistema econômico.
O problema é que em economia
não há almoço grátis. O benefício
da ação do BC autônomo exige a
"crença" em sofisticados modelos
apoiados em parâmetros de estimativa duvidosas e, acima de tudo,
um ato de fé na onisciência que tais
modelos produzem. Quanto mais
conservador ele for, maior o custo
social e econômico da estabilidade.
É por isso que todo o cuidado é
pouco! E não me venham com a
crítica cínica de que estamos pedindo um pouco mais de inflação...
contatodelfimnetto@uol.com.br
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Ruy Castro: Zero hora para a mudança Próximo Texto: Frases
Índice
|