São Paulo, quarta-feira, 21 de abril de 2010

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ANTONIO DELFIM NETTO

Virtudes e crenças

É INEGÁVEL o efeito benéfico da estabilização das expectativas inflacionárias produzidas pela ação coordenada de uma política fiscal austera e de uma política monetária orientada por um Banco Central autônomo. Elas permitem o financiamento do pleno uso dos recursos disponíveis para a produção do PIB a uma taxa de juro real interna próxima à externa.
Do ponto de vista social, reduzem-se as naturais tensões distributivas entre a remuneração do trabalho (o salário real) e do capital (a sua taxa de retorno), dando maior clareza e justiça ao processo.
A distribuição do "excedente" (o resíduo total) apurado na produção realizada é resultado de um processo político, não obstante, que deve obedecer a limites físicos.
A distribuição do "excedente" determina, de um lado, o avanço da "renda" dos trabalhadores (o que aumenta o consumo) e, de outro, a capacidade de investimento dos empresários. Esta, por sua vez, determina a demanda de trabalho (que assegura o aumento futuro dos salários).
Dependendo do poder de barganha que a organização dos trabalhadores lhes dá, eles poderão apropriar-se de parcela maior ou menor do "excedente", sob uma condição: a continuidade do processo exige que o aumento do salário real seja inferior ao aumento da produtividade física do trabalho.
A tentativa de violar essa restrição criará, inevitavelmente, uma pressão inflacionária que o BC autônomo controlará com um aumento da taxa de juro real, o que levará à redução do crescimento e ao aumento do desemprego. Esse mecanismo controla também as tentativas do governo de aumentar sua participação no PIB através do aumento do seu deficit. Como ele não pode ser financiado pelo BC, deve sê-lo pelo mercado, com a elevação da taxa de juros, produzindo os mesmos efeitos constritores na demanda global.
A estabilização da expectativa inflacionária produz, adicionalmente, uma consequência alocativa muito importante. Facilita o funcionamento dos mercados e possibilita o estabelecimento de preços relativos que medem melhor a escassez de bens e serviços e gera, assim, aumento da produtividade geral do sistema econômico.
O problema é que em economia não há almoço grátis. O benefício da ação do BC autônomo exige a "crença" em sofisticados modelos apoiados em parâmetros de estimativa duvidosas e, acima de tudo, um ato de fé na onisciência que tais modelos produzem. Quanto mais conservador ele for, maior o custo social e econômico da estabilidade.
É por isso que todo o cuidado é pouco! E não me venham com a crítica cínica de que estamos pedindo um pouco mais de inflação...

contatodelfimnetto@uol.com.br


ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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