São Paulo, terça-feira, 21 de maio de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Sobre o risco Lula

MARIA VICTORIA BENEVIDES

A ascensão de Lula tem despertado uma imensa esperança no Brasil brasileiro, dos que querem mudar esse "horror econômico" pelo direito à dignidade de todos, e não apenas da minoria privilegiada que se considera dona do poder e nos empulha com a falácia da "inexorabilidade da globalização com hegemonia americana".
Essa esperança, que conquista corações e mentes, alimenta-se dos valores da justiça social, da liberdade, igualdade e solidariedade, ou seja, daquilo que é e sempre foi o sal da terra.
Quem duvida tem o direito de considerar o dito acima idealismo ridículo, um sonho de uma noite deste verão tardio. Que faça bom proveito de seu "realismo". O que não se pode admitir é a desqualificação do candidato do PT com o clichê do "despreparo" ou pior, com a ameaça do perigo que sua vitória representa para o país.
É essa a chantagem de Boris Fausto no artigo "Lula e os riscos" (Folha, 6/5, pág. A2). Um historiador tem obrigação de, no mínimo, conhecer melhor os fatos.
Vamos por partes.
Em primeiro lugar, ele afirma que o maior interesse das instituições financeiras internacionais consiste na "estabilidade interna de um país, o equilíbrio de suas contas fiscais e externas, como fatores indicativos de que seus compromissos serão cumpridos". Ora, até as pedras sabem que essas mesmas instituições aconselharam vivamente seus clientes, durante anos a fio, a investir na Argentina, mesmo quando se anunciava a catástrofe. E o governo dos pampas fez "a lição de casa", destroçou o país e deu no que deu.
O artigo pressupõe que o governo FHC goza da confiança externa por sua austera gestão. Tudo bem, a submissão ao império é muito apreciada além-mar. Mas ninguém pode desconhecer que esse "modelo" elevou a dívida pública, em oito anos, de R$ 153 bilhões para R$ 680 bilhões, o que, sob qualquer ponto de vista, é fonte certa de instabilidade. A produção, em ritmo galopante, dessa dívida cada vez mais impagável, ademais de crucificar o povo, é reconhecida como um caso singular e patológico na história das finanças públicas do Brasil.
Em segundo lugar, o texto salienta o suposto gosto de Lula pelas "generalidades", provavelmente baseando-se apenas em trechos de entrevistas. Ora, se essa referência fosse suficiente, os lugares-comuns nas falas do "príncipe dos sociólogos" e de alguns de seus ministros empalideceriam de inveja o conselheiro Acácio. O pior é que o autor insiste no "desconhecimento" de Lula sobre as questões essenciais do país. Outra desinformação lapidar, senão de pura má-fé. É público e notório que, desde a primeira campanha, Lula tem se cercado de equipes da mais alta qualificação e reúne projetos (elogiados até pelos adversários) sobre moradia, Fome Zero, segurança pública, energia, emprego, política industrial e agrícola, entre outros -assuntos competentemente debatidos por Lula.


É público e notório que, desde a primeira campanha, Lula tem se cercado de equipes da mais alta qualificação


Hoje, tudo está sendo rediscutido e integrado no programa de governo, com a participação e o "conhecimento" de Lula sobre as diretrizes principais -pois é evidente que ninguém pode ser especialista em tudo (aliás, nosso querido mestre Antonio Candido, em várias reuniões de intelectuais com Lula, fica sempre impressionado e diz que "ele é, de longe, o melhor de todos nós").
Especialmente relevante é o fato documentado de que ninguém conhece tão bem o Brasil, com suas misérias e suas grandezas, como o Lula. Há mais de 20 anos ele percorre o país, indo a regiões onde às vezes nem o governador do estado pôs os pés.
Em terceiro lugar, quanto às relações internacionais, o autor critica o que chama de "slogans" de Lula. Ora, é fato inegável que o PT goza de reconhecimento internacional e que Lula, se não tem os punhos de renda da diplomacia tradicional, tem o respeito e a reciprocidade dos estadistas que o têm recebido no exterior. E é certo que Lula jamais executaria a impressionante proeza tucana de pregar o respeito ao Estado de Direito democrático e à honestidade pública e, ao mesmo tempo, apoiar entusiasticamente Menem e Fujimori, procurados pelos tribunais de seus países não exatamente por serem campeões na defesa da democracia e da austeridade no trato com os recursos públicos.
Enfim, o ilustre articulista alerta para o "sinal amarelo" dado pelos órgãos financeiros externos. Estará mesmo com medo e quer nos contaminar para renunciarmos ao "risco Lula"? Ora, se o medo bater, não será por aí, mas pelo sinal vermelho que "eles" podem estar acendendo com a ajuda de "vossos" correligionários articulando traições internas, mudança de regras eleitorais (lembram-se do golpismo da finada UDN?) e "otras cositas más". Deus nos guarde.


Maria Victoria de Mesquita Benevides, 59, professora titular da Faculdade de Educação da USP, é diretora da Escola de Governo e autora, entre outros, de "O Governo Kubitschek e "A UDN e o Udenismo".



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