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TENDÊNCIAS/DEBATES
Sobre o risco Lula
MARIA VICTORIA BENEVIDES
A ascensão de Lula tem despertado uma imensa esperança no Brasil brasileiro, dos que querem mudar esse "horror econômico" pelo direito à
dignidade de todos, e não apenas da minoria privilegiada que se considera dona do poder e nos empulha com a falácia da "inexorabilidade da globalização
com hegemonia americana".
Essa esperança, que conquista corações e mentes, alimenta-se dos valores
da justiça social, da liberdade, igualdade
e solidariedade, ou seja, daquilo que é e
sempre foi o sal da terra.
Quem duvida tem o direito de considerar o dito acima idealismo ridículo,
um sonho de uma noite deste verão tardio. Que faça bom proveito de seu "realismo". O que não se pode admitir é a
desqualificação do candidato do PT
com o clichê do "despreparo" ou pior,
com a ameaça do perigo que sua vitória
representa para o país.
É essa a chantagem de Boris Fausto no
artigo "Lula e os riscos" (Folha, 6/5, pág.
A2). Um historiador tem obrigação de,
no mínimo, conhecer melhor os fatos.
Vamos por partes.
Em primeiro lugar, ele afirma que o
maior interesse das instituições financeiras internacionais consiste na "estabilidade interna de um país, o equilíbrio
de suas contas fiscais e externas, como
fatores indicativos de que seus compromissos serão cumpridos". Ora, até as
pedras sabem que essas mesmas instituições aconselharam vivamente seus
clientes, durante anos a fio, a investir na
Argentina, mesmo quando se anunciava a catástrofe. E o governo dos pampas
fez "a lição de casa", destroçou o país e
deu no que deu.
O artigo pressupõe que o governo
FHC goza da confiança externa por sua
austera gestão. Tudo bem, a submissão
ao império é muito apreciada além-mar. Mas ninguém pode desconhecer
que esse "modelo" elevou a dívida pública, em oito anos, de R$ 153 bilhões
para R$ 680 bilhões, o que, sob qualquer
ponto de vista, é fonte certa de instabilidade. A produção, em ritmo galopante,
dessa dívida cada vez mais impagável,
ademais de crucificar o povo, é reconhecida como um caso singular e patológico na história das finanças públicas
do Brasil.
Em segundo lugar, o texto salienta o
suposto gosto de Lula pelas "generalidades", provavelmente baseando-se
apenas em trechos de entrevistas. Ora,
se essa referência fosse suficiente, os lugares-comuns nas falas do "príncipe
dos sociólogos" e de alguns de seus ministros empalideceriam de inveja o conselheiro Acácio. O pior é que o autor insiste no "desconhecimento" de Lula sobre as questões essenciais do país. Outra
desinformação lapidar, senão de pura
má-fé. É público e notório que, desde a
primeira campanha, Lula tem se cercado de equipes da mais alta qualificação e
reúne projetos (elogiados até pelos adversários) sobre moradia, Fome Zero,
segurança pública, energia, emprego,
política industrial e agrícola, entre outros -assuntos competentemente debatidos por Lula.
É público e notório que, desde a primeira campanha, Lula tem se cercado de equipes da mais alta qualificação
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Hoje, tudo está sendo rediscutido e integrado no programa de governo, com a
participação e o "conhecimento" de Lula sobre as diretrizes principais -pois é
evidente que ninguém pode ser especialista em tudo (aliás, nosso querido mestre Antonio Candido, em várias reuniões de intelectuais com Lula, fica sempre impressionado e diz que "ele é, de
longe, o melhor de todos nós").
Especialmente relevante é o fato documentado de que ninguém conhece
tão bem o Brasil, com suas misérias e
suas grandezas, como o Lula. Há mais
de 20 anos ele percorre o país, indo a regiões onde às vezes nem o governador
do estado pôs os pés.
Em terceiro lugar, quanto às relações
internacionais, o autor critica o que chama de "slogans" de Lula. Ora, é fato inegável que o PT goza de reconhecimento
internacional e que Lula, se não tem os
punhos de renda da diplomacia tradicional, tem o respeito e a reciprocidade
dos estadistas que o têm recebido no exterior. E é certo que Lula jamais executaria a impressionante proeza tucana de
pregar o respeito ao Estado de Direito
democrático e à honestidade pública e,
ao mesmo tempo, apoiar entusiasticamente Menem e Fujimori, procurados
pelos tribunais de seus países não exatamente por serem campeões na defesa
da democracia e da austeridade no trato
com os recursos públicos.
Enfim, o ilustre articulista alerta para
o "sinal amarelo" dado pelos órgãos financeiros externos. Estará mesmo com
medo e quer nos contaminar para renunciarmos ao "risco Lula"? Ora, se o
medo bater, não será por aí, mas pelo sinal vermelho que "eles" podem estar
acendendo com a ajuda de "vossos"
correligionários articulando traições internas, mudança de regras eleitorais
(lembram-se do golpismo da finada
UDN?) e "otras cositas más". Deus nos
guarde.
Maria Victoria de Mesquita Benevides, 59,
professora titular da Faculdade de Educação da
USP, é diretora da Escola de Governo e autora,
entre outros, de "O Governo Kubitschek e "A
UDN e o Udenismo".
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