UOL




São Paulo, quarta-feira, 21 de maio de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANTONIO DELFIM NETTO

Gabinetes refrigerados

Em que pesem as intenções do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dos seus variados ministros de dar prioridade às exportações brasileiras, quem deveria, de fato, viabilizar a empreitada encontra barreiras intransponíveis. Ainda que câmbio seja um fator decisivo para a exportação, ele não é suficiente. As demais condições para viabilizá-la são a pequena volatilidade cambial e o crédito com juros e prazos razoáveis para possibilitar os investimentos exigidos. O crédito de investimento deve ser dirigido aos setores que apresentam a perspectiva de vantagens comparativas dinâmicas.
O governo FHC transformou os organismos que tinham contato direto com os empresários, como o Banco do Brasil, que costumava ser os olhos e os braços do governo, em meros bancos privados, nos quais os riscos são minimizados, com pouca sensibilidade às necessidades fundamentais do país. Os programas de fomento creditício foram concentrados no BNDES. Diretores, encastelados em confortáveis gabinetes refrigerados, detêm praticamente o monopólio do crédito de longo prazo. Estão, entretanto, localizados a milhares de quilômetros dos produtores. Na sua tentativa de chegar aos pequenos empresários, o BNDES utiliza agentes financeiros privados que, além de cobrarem margens absurdas pela sua intermediação (e exigirem toda sorte de contrapartidas), não contam com autonomia suficiente para efetuar as operações. Estão, na maioria das vezes, sujeitos a consultar o BNDES, principalmente quando se trata de operação inovadora. Como a experiência mostra, a tendência natural e irreparável do burocrata é localizar as dificuldades do projeto e não visualizar suas possibilidades, comparando-as com seus riscos.
Um recente caso concreto de uma pequena cooperativa é exemplo marcante. Visando aperfeiçoar o mercado de seu produto, utilizando sistemas de leilão eletrônico similares aos existentes nos países desenvolvidos, tentou socorrer-se do crédito governamental. Utilizando como agente financeiro um banco que já foi um importante instrumento de fomento (e do qual é cliente tradicional), procurou obter recursos do Prodecoop, supostamente comandado pelo Ministério da Agricultura. A consulta mereceu da superintendência do BNDES a resposta mortal e definitiva: a operação "não se enquadra nos setores abrangidos pela Carta Circular 3/3". Não se entendeu sua importância para a exportação, não se deu nenhuma abertura para explorar qualquer possibilidade alternativa.
Fatos similares estão acontecendo diariamente. O BNDES foi criado para dar suporte aos grandes projetos, não tendo qualificação para atender pequenos e inovadores empresários. Os que pretendem financiamento têm de suportar custosa e longa preparação. O Finame foi uma grande evolução para atender milhares de operações típicas, mas, quando a inovação é indispensável, as resistências são consideráveis. O ministro Furlan e Carlos Lessa têm a grande oportunidade de modificar essa situação, mesmo sem desligar o ar-condicionado dos burocratas...


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Época dos tristes
Próximo Texto: Frases

Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.