São Paulo, domingo, 21 de maio de 2006

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Editoriais

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Muita ousadia

Do ponto de vista político e institucional, pode-se afirmar que, entre mortos e feridos, não se salvou ninguém

MAIS DE 40 agentes de segurança assassinados pelo crime organizado, mais de cem suspeitos mortos pela polícia. Ainda não cessou a contagem -nem sequer a identificação- de todas as vítimas da onda de terror que atingiu o Estado de São Paulo a partir da noite de sexta-feira, 12 de maio. Do ponto de vista político e institucional, entretanto, pode-se dizer que, entre mortos e feridos, não se salvou ninguém.
Depois do escândalo do valerioduto, das absolvições dos mensaleiros e das revelações da Operação Sanguessuga, a sociedade, que já se sabia entregue à ação de verdadeiras camarilhas protegidas pelo manto da imunidade parlamentar, vê-se agora exposta a mais um espetáculo de oportunismo irrefreado, de omissões espantosas e de falta de decoro público.
Não houve, a rigor, autoridade constituída (omitam-se desta categoria desde logo os representantes do chamado "Primeiro Comando da Capital") que não tenha acumulado novas camadas de descrédito à própria imagem. Uma onda de miopia varreu governantes e políticos de diversas filiações, em todas as instâncias da Federação. Incapazes de ler o momento, não estiveram à altura dos acontecimentos.
Na esfera estadual, negou-se reiteradamente a existência de acordo com facções criminosas, quando ficou evidente a sua realização. Negou-se que a polícia estivesse retaliando as ações da quadrilha criminosa dos presídios -enquanto não menos do que cem mortes aplacavam, se é que tanto, as indignações mais agudas da corporação. Uma retórica emergencial responsabilizou "as elites brancas" na tentativa de encobrir a conivência com forças políticas que sempre descuraram da segurança e da educação.
Enquanto as declarações do governador de São Paulo, Cláudio Lembo, transitavam do inacreditável ao espirituoso, da sociologia "hip hop" às pequenas mas certeiras farpas contra seu antecessor, vinham dos arraiais tucanos -temporariamente transmigrados aos confortos de Nova York- circunspectas declarações de que não se negocia com o crime organizado. O inconfundível tom professoral do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não foi capaz de ocupar plenamente o vácuo deixado pelo ex-prefeito José Serra, todavia pré-candidato do PSDB a governar um Estado que se consumia na conflagração.
O secretário da Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, foi aparentemente tragado pelo mesmo vácuo durante a crise. Pouco importa; a inação do governo estadual diante do crime organizado é comparável somente às omissões do governo federal, cujos representantes mais desassombrados aproveitaram a crise para jogar sobre o PSDB e o PFL o custo político de uma irresponsabilidade de que também compartilham.
Não bastasse sentir-se desprotegido diante do crime, o cidadão se vê agora afrontado pelos representantes do poder público; a estes tampouco falta ousadia.


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