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Editoriais
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Muita ousadia
Do ponto de vista político e institucional, pode-se afirmar que, entre mortos e feridos, não se salvou ninguém
MAIS DE 40 agentes de
segurança assassinados pelo crime
organizado, mais de
cem suspeitos mortos pela polícia. Ainda não cessou a contagem
-nem sequer a identificação-
de todas as vítimas da onda de
terror que atingiu o Estado de
São Paulo a partir da noite de
sexta-feira, 12 de maio. Do ponto
de vista político e institucional,
entretanto, pode-se dizer que,
entre mortos e feridos, não se
salvou ninguém.
Depois do escândalo do valerioduto, das absolvições dos
mensaleiros e das revelações da
Operação Sanguessuga, a sociedade, que já se sabia entregue à
ação de verdadeiras camarilhas
protegidas pelo manto da imunidade parlamentar, vê-se agora
exposta a mais um espetáculo de
oportunismo irrefreado, de
omissões espantosas e de falta de
decoro público.
Não houve, a rigor, autoridade
constituída (omitam-se desta categoria desde logo os representantes do chamado "Primeiro
Comando da Capital") que não
tenha acumulado novas camadas
de descrédito à própria imagem.
Uma onda de miopia varreu governantes e políticos de diversas
filiações, em todas as instâncias
da Federação. Incapazes de ler o
momento, não estiveram à altura dos acontecimentos.
Na esfera estadual, negou-se
reiteradamente a existência de
acordo com facções criminosas,
quando ficou evidente a sua realização. Negou-se que a polícia
estivesse retaliando as ações da
quadrilha criminosa dos presídios -enquanto não menos do
que cem mortes aplacavam, se é
que tanto, as indignações mais
agudas da corporação. Uma retórica emergencial responsabilizou "as elites brancas" na tentativa de encobrir a conivência
com forças políticas que sempre
descuraram da segurança e da
educação.
Enquanto as declarações do
governador de São Paulo, Cláudio Lembo, transitavam do inacreditável ao espirituoso, da sociologia "hip hop" às pequenas
mas certeiras farpas contra seu
antecessor, vinham dos arraiais
tucanos -temporariamente
transmigrados aos confortos de
Nova York- circunspectas declarações de que não se negocia
com o crime organizado. O inconfundível tom professoral do
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não foi capaz de
ocupar plenamente o vácuo deixado pelo ex-prefeito José Serra,
todavia pré-candidato do PSDB a
governar um Estado que se consumia na conflagração.
O secretário da Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, foi aparentemente tragado
pelo mesmo vácuo durante a crise. Pouco importa; a inação do
governo estadual diante do crime organizado é comparável somente às omissões do governo
federal, cujos representantes
mais desassombrados aproveitaram a crise para jogar sobre o
PSDB e o PFL o custo político de
uma irresponsabilidade de que
também compartilham.
Não bastasse sentir-se desprotegido diante do crime, o cidadão
se vê agora afrontado pelos representantes do poder público; a
estes tampouco falta ousadia.
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