São Paulo, segunda-feira, 21 de maio de 2007

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ALBA ZALUAR

Em defesa da vida

A PRIORIDADE hoje no Brasil é, sem dúvida, a defesa da vida. O quadro é grave. Entre 1997 e 2004, de 40 mil a 50 mil pessoas morreram por ano de morte matada, totalizando 367.636 homicídios em oito anos.
Em 2004, com uma taxa de 20,7 mortes por armas de fogo em cada 100 mil habitantes, o Brasil só perdia para a Venezuela. Mas, considerando apenas as mortes de jovens, com a taxa de 43,1 jovens mortos em cada 100 mil, o Brasil já era o líder de 65 países do mundo.
Em 1980, 52% das mortes de jovens no Brasil eram devidas à violência; em 2002, este percentual já era de 72%, sendo 40% das mortes devidas a homicídios.
Há ainda a dor psíquica e as mutilações físicas dos que continuaram a viver, vítimas também desse tsunami da insegurança pública que já dura três décadas no país.
Da violência estabelecida, o maior agravo é o dos desabilitados fisicamente que oneram a saúde pública e o orçamento familiar. Paraplégicos e tetraplégicos têm uma única esperança de recuperar suas habilidades e independência motora, auto-estima e vida plena: as pesquisas com células-tronco.
Tais pesquisas só podem utilizar embriões há mais de três anos congelados, quando tinham menos de 14 dias de fecundação. Esse uso depende do consentimento dos doadores das células usadas na fecundação, as quais teriam como destino certo o esquecimento, a inutilidade, o lixo, mesmo contendo uma semente de vida.
Que melhor uso poderia se dar a essas sementes do que recuperar a vida mutilada de tantas vítimas da violência de nossas estradas, ruas, armas e emoções descontroladas?
Pode-se, em nome da vida destinada ao nada, negar vida plena aos que, por terem plena consciência das suas deficiências, sofrem duplamente a mutilação?
Há uma questão moral que é pensada diferentemente na população brasileira. Os progenitores católicos ou crentes, contrários ao uso de embriões em pesquisas científicas, poderão impedir que os embriões produzidos por eles ou alguém de suas famílias sejam usados dessa maneira. Mas não seria justo, nem sensato, nem respeitador da pluralidade fazer com que todos os cidadãos brasileiros fiquem proibidos de ajudar na pesquisa que poderia melhorar a vida dos que já entendem e penam pelas perdas sofridas, dos que já andaram um dia e não andam mais.
Estado e igreja foram separados há décadas e suas razões não podem ser confundidas. O Estado brasileiro representa a todos, não apenas aqueles que consideram o momento da fecundação como o início da vida sagrada. Para muitos, o imperativo é diminuir o sofrimento de quem está entre nós, e que ainda tem uma esperança.


ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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