São Paulo, segunda-feira, 21 de maio de 2007

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Visão a longo prazo e o Butantan

ISAIAS RAW


Devo refutar a afirmação de que avanços por laboratórios públicos na produção de vacina só se deram por transferência de tecnologia


COMO RESPONSÁVEL pela renovação real da produção de vacinas, devo refutar veementemente a afirmação do sr. Ciro Mortella, presidente-executivo da Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica ("Tendências/Debates, 15/5), de que os avanços por laboratórios públicos na produção de vacina só foram possíveis mediante acordos de transferência de tecnologia.
O Butantan, que produz, de verdade, 82% das vacinas humanas que o Ministério da Saúde utiliza, desenvolveu a tecnologia de produção da vacina de difteria, coqueluche, tétano, hepatite B e raiva fabricando 150 milhões de doses por ano, que são oferecidas gratuitamente a todos os recém-nascidos e maiores de 60 anos.
A produção da vacina de influenza foi uma exceção, em que a semente da produção é fornecida gratuitamente pela Organização Mundial da Saúde a todos os produtores, e, com a dificuldade de registrar uma nova vacina a cada ano, alguns meses antes que são administradas, torna mais simples utilizar uma tecnologia internacional aprovada.
Fizemos um acordo de transferência de tecnologia com a Sanofi Aventis, que resultou, além da cooperação tecnológica, numa economia da ordem de 300 milhões de dólares e construímos uma planta com cerca de 20 milhões de dólares que substituirá completamente a importação a granel até 2008. A produção da vacina da gripe aviária usará sementes produzidas pela OMS (vírus do Vietnã) e Center of Disease Control (vírus da Indonésia) em uma planta especial, criada pelo Butantan.
Adquirimos as mais avançadas vacinas de rotavírus e dengue, não de empresas privadas, mas do National Institute of Health, que não fabrica vacinas, porque temos competência para desenvolver a tecnologia de produção e construir fábricas comparáveis às melhores do mundo.
É na cauda do Butantan que Índia e China irão produzir a mesma vacina de rotavírus, que tem um custo menor e uma eficiência maior do que a vacina que foi importada.
Fomos selecionados para desenvolver a produção da vacina contra amarelão pela Universidade George Washington e da vacina de leishmânia pela Universidade de Washington, que bloqueia a transmissão via mosquito do cão. Somos parceiros da Universidade Harvard para produzir uma vacina contra pneumonia que substitui a combinação de 11 a 23 vacinas, cujo custo é dezena de vezes maior.
O Butantan desenvolveu uma nova vacina de coqueluche, sozinho, muito mais segura, que continuará a ser produzida por cerca de 0,10 reais por dose, contra a vacina chamada acelular, que vinha sendo empurrada ao Brasil e que custaria 25 reais, com uma despesa anual de 140 milhões de dólares.
O Butantan transferiu a tecnologia para o Netherland Vaccine Institute, onde a produção industrial de vacina se iniciou!
Há vários países disputando a tecnologia da vacina humana contra raiva, com a maior produtividade até agora desenvolvida, que trará, obviamente, um custo menor. Vamos iniciar o teste de duas novas vacinas contra hepatite B, concebidas no Butantan, para maiores de 50 anos, que incluem profissionais que podem se infectar com sangue, pacientes em diálise ou que receberem transplante renal ou hepático.
No caso da vacina da influenza, desenvolvemos um novo adjuvante, que deverá transformar uma dose em quatro, reduzindo proporcionalmente o custo da vacina. Uma planta menor deve iniciar no próximo mês a produção da vacina contra a gripe aviária e o uso do novo adjuvante deve reduzir o custo da vacina para cerca de 20 reais, enquanto o governo dos EUA pagou 50 dólares por meia dose. Esse foi um importante ponto para a OMS aprovar um auxílio de 2,2 milhões de dólares para o Butantan.
O Butantan não compra vacinas para envasar, nem caixas pretas, que tem que ser substituídas a cada cinco ou sete anos. Desenvolve sozinho ou em parceria. Faz isso com tecnologia com responsabilidade social, que permite um custo compatível com os recursos do governo para vacinação pública e gratuita, e está se preparando para atender os países da América Latina e África, trazendo a tecnologia do Brasil, que ajudará esses países e, no caso da gripe aviária, combater, se for o caso, o vírus antes que ele chegue ao nosso país.

ISAIAS RAW , 80, professor emérito da Faculdade de Medicina da USP, é presidente da Fundação Butantan.

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