São Paulo, segunda-feira, 21 de junho de 2004

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VINICIUS TORRES FREIRE

Lula, Danuza, o nacional e o popular

SÃO PAULO - Se você tem filho pequeno, não escapa de festas juninas de escola, o cheiro enjoado de quentão, pais digitalizando às centenas a dança das crianças. Não é assunto sério? Salário mínimo? Nada. O tema nacional é a quadrilha de Lula da Silva e a esnobada de Danuza Leão.
No ano passado, vi um dos quase extintos paus-de-bandeira em Bananal, cidade-joinha do vale do Paraíba. O que é pau-de-bandeira? São aqueles mastros bicolores, como os de Volpi, em que se pregava a bandeira, uma tela com a imagem de um dos santos juninos: Antônio, João, Pedro. Ainda há paus-de-bandeira nas festas juninas do interior?
Festa junina em cidade grande, mesmo nordestina, virou a bebedeira com depravações leves de qualquer feriado, tipo de Carnaval. Ainda no ano passado, estive na casinhola de barro, hoje minimuseu, de mestre Vitalino, arredores de Caruaru (Vitalino, o figureiro que inventou as estatuetinhas de barro nordestinas).
Severino Vitalino contou que uma turba bêbada do axé da festa de São João de Caruaru quase demoliu a casinhola do pai dele.
Mas, em escolas de classe média-alta mais ou menos intelectualizada de São Paulo, as crianças, algumas educadas soltas em quintais de galinhas, aprendem as festas populares, do Divino, o cancioneiro popular infantil, "cultura indígena", como devemos tratar bem os pobres etc. Isso nas escolas mais "à esquerda". Nas de "centro", menos. Nas de classe média normal tem Halloween.
O povo está em outra: axé, rap, sertanejo acanalhado etc. Mas a classe média antes esquerdista como que substitui a política frustrada pela injeção de algum nacionalismo popular nas crianças. Mais tarde, as crianças da consciência culpada esquerdista e falida trabalharão em ONGs do Jardim Ângela. As mais "modernas" farão o ritual de cada geração de classe média, de, por um período, cultuar um crioulo musical: Clementina há 40 anos, ontem Racionais, hoje Tati Quebra-Barraco, que canta "não gosto de peru pequeno".
Um ritual vazio cultua o povo caipira morto, a esquerda morta gosta do nacional e popular, o povo se mundializa na música. Por que cismamos com o caipirismo?


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