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TENDÊNCIAS/DEBATES
Trabalho decente? Só redistribuindo renda
ODED GRAJEW
O Brasil caiu numa armadilha e
dela não está conseguindo sair.
Durante décadas o país caiu no conto
do dinheiro fácil e se endividou. Hoje o
endividamento de União, Estados, municípios e estatais soma R$ 926,4 bilhões, o que equivale a 56,6% do PIB, e o
governo brasileiro paga de juros um terço do que arrecada.
O maior desafio dos nossos tempos é
gerar trabalho decente para as pessoas.
Os países europeus se puseram de acordo a não ultrapassar os 3% de déficit público para constituir o mercado e a moeda únicos. Vários desses países estão ultrapassando esse limite, chegando a 4%
de déficit, porque dizem que com apenas 3% de déficit eles não conseguem
gerar os empregos necessários. Pela
mesma razão, os EUA estão hoje com
4,75% de déficit público.
O Brasil é obrigado a gerar 4,25% de
superávit para atender seus compromissos de pagamento de juros. Tenho
feito uma pergunta a muitas pessoas
(economistas, políticos, empresários,
dirigentes sociais e sindicais, presidentes de organismos internacionais), sem
obter nenhuma resposta, e faço essa
pergunta aos leitores: se a Europa e os
EUA, que arrecadam o mesmo tanto ou
mais impostos do que o Brasil, não conseguem impulsionar a economia a ponto de gerar trabalho com 3% a 4 % de
déficit, como o Brasil conseguirá fazê-lo
com 4,25% de superávit? Nenhuma pessoa, organização ou empresa tem condições de se desenvolver comprometendo um terço de sua renda ou faturamento para pagar juros. Ano após ano,
eleição após eleição, governo após governo, continuamos a nos enganar.
Temos uma saída? Estou convencido
de que sim. O governo Lula, acertadamente, firmou um compromisso público com o cumprimento dos contratos e
tenta, dentro das estreitas regras do jogo, negociar da melhor forma possível.
Pelo grau de vulnerabilidade que atingimos, creio que um rompimento unilateral dos contratos seria desastroso para
o país. A saída, do meu ponto de vista, é,
além de tentar negociar melhores acordos, promover uma gigantesca redistribuição de renda.
Temos no Brasil (governo e sociedade) imensos recursos financeiros, econômicos, tecnológicos, alimentares, humanos, patrimoniais e culturais, suficientes para atender decentemente toda
a nossa população. Estudo do Centro de
Políticas Sociais da FGV aponta que, para erradicar a indigência que atinge 56
milhões de pessoas, seria necessária a
aplicação de R$ 1,69 bilhão por mês (2%
do PIB), o que significaria uma contribuição mensal de R$ 14 por brasileiro
vivendo acima da linha da pobreza.
Se Europa e EUA não geram trabalho com 3% a 4 % de déficit, como o Brasil conseguirá com 4,25% de superávit?
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Se as empresas dessem oportunidades
a jovens de baixa renda, todos escapariam de ser mão-de-obra barata do crime organizado. Governo e sociedade
precisam tomar a decisão política de
transferir recursos (insisto na palavra
transferir), nos orçamentos públicos e
na sociedade, para a população mais
pobre. Inúmeras medidas poderiam ser
colocadas em prática -como uma radical mudança no sistema tributário,
isentando ao máximo os pobres de taxas e impostos diretos e indiretos e fazendo recair a taxação sobre rendas,
transações de maior valor e patrimônios da população mais rica.
A sociedade, especialmente pessoas,
organizações e empresas com maiores
recursos -financeiros, econômicos,
tecnológicos, humanos, educacionais e
culturais- deveriam intensificar dramaticamente seus investimentos sociais
voluntários e direcioná-los exclusivamente aos mais necessitados. Dinheiro
e educação para os mais pobres fariam
nosso mercado consumidor passar de
30 milhões de pessoas para 60, 80 ou 100
milhões. O incremento do mercado geraria mais empregos, o que aumentariam ainda mais o mercado. O aumento
do mercado atrairia mais investimentos. Mais impostos seriam arrecadados,
aumentando a capacidade do governo
de investir, promover a justiça social e
começar a abater a dívida. Com o aumento do PIB cai o peso da dívida, diminui a vulnerabilidade e o risco do
país, expande-se a possibilidade de caírem os juros e crescer a economia.
Redistribuir a renda, colocando dinheiro nas mãos das pessoas mais pobres, fará aumentar o mercado interno e
o consumo, o que gerará empregos e
trabalho.
Só a redistribuição de renda fará o
país crescer e gerar trabalho. Foi essa
decisão que há muitos anos tomaram os
países escandinavos, por visão e sabedoria de suas elites -hoje eles são os
campeões mundiais do desempenho
econômico e do desenvolvimento humano. Tenho certeza de que o sacrifício,
temporal e suportável, da população
mais rica será amplamente recompensado pelo desenvolvimento econômico
e pelo extraordinário aumento da qualidade de vida.
Espero que nossas lideranças governamentais, empresariais e sociais, a sociedade em geral, tomem consciência
da gravidade da situação, desse faz-de-conta que vivemos, e tracem um novo
rumo para o nosso pobre e ao mesmo
tempo tão rico e promissor Brasil.
Oded Grajew, 60, empresário, idealizador do
Fórum Social Mundial, é diretor-presidente do
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade
Social. Foi assessor especial do presidente da República (2003).
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