São Paulo, quarta-feira, 21 de junho de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Nacionalismo na América Latina?

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

DEPOIS DA VIRADA para a direita e para o neoliberalismo global em torno de 1990, vemos agora na América Latina mudança semelhante em magnitude, mas na direção da esquerda e da nação -o que leva o Norte e os grupos conservadores na região a se preocuparem. Jorge Castañeda fez sucesso com sua distinção entre a esquerda boa e a má. "The Economist" escreveu um editorial e colocou na capa "Battle for the Latin American Soul". Nossa alma estaria ameaçada pelo populismo nacionalista e de esquerda...


O nacionalismo democrático enfraqueceu-se na América Latina quando a esquerda adotou como bandeira a "teoria da dependência"


É simples interpretar a mudança como uma volta do "populismo", porém mais realista é pensar que se trata de uma reação nacionalista e social às políticas vindas do Norte -à ortodoxia convencional. O populismo econômico -o Estado ou o Estado-nação gastarem mais do que arrecadam- é sem dúvida desastroso, na medida em que implica déficits públicos crônicos (populismo fiscal) ou déficits em conta corrente persistentes (populismo cambial).
Diferente é o populismo político -a relação direta do líder político com as massas. Essa forma clássica de populismo é em geral a primeira manifestação política dos pobres em todos os países -a maneira pela qual se inserem no regime democrático. Se não for acompanhada do populismo econômico, poderá contribuir para a constituição de uma nação moderna, como Getúlio Vargas demonstrou.
O crescimento econômico da América Latina foi forte entre 1930 e 1980, quando a estratégia nacional-desenvolvimentista foi dominante, mas nos anos 80, a crise da dívida externa e a superação daquela estratégia abriram espaço para a hegemonia neoliberal.
Ironicamente, a partir de então, a estratégia de crescimento com poupança externa proposta pela ortodoxia convencional implicou em populismo cambial, estagnação e exclusão.
A suposição de que países em desenvolvimento dependiam de recursos externos para se desenvolver levou à apreciação da taxa de câmbio e às crises de balanço de pagamentos do México (1994), do Brasil (1998 e 2002) e da Argentina (2001).
A exceção foi o Chile, único país da América Latina que naquela década adotou controles de capital. Nos anos 90, não se viu crescimento econômico na região, mas exclusão e semi-estagnação. Por outro lado, o crescimento acelerado dos países dinâmicos da Ásia confirmou a existência de uma alternativa nacional e não-populista de desenvolvimento. Desde 2002, a América Latina reage contra a dependência e a exclusão social por meio de movimentos sociais de esquerda.
Na região, os progressistas são tradicionalmente nacionalistas. Enquanto na Europa e nos Estados Unidos o nacionalismo não distingue ninguém, porque todos o são (não existem europeus e americanos que não considerem dever de seu governo defender o trabalho, o capital e o conhecimento nacionais), na América Latina os aderentes da ortodoxia convencional estão em toda parte. O nacionalismo democrático enfraqueceu-se na América Latina quando, diante dos golpes militares dos anos 60, a esquerda adotou como bandeira a "teoria da dependência", que negava a possibilidade de existência de empresários comprometidos com os interesses nacionais.
As novas esquerdas, porém, já admitem a associação com os empresários e estão retomando a idéia de nação. Será que poderão ter êxito? Será possível que elas se envolvam em uma estratégia nacional de desenvolvimento que rejeite tanto a irresponsabilidade cambial e a falta de comprometimento com o desenvolvimento da ortodoxia convencional dependente quanto a irresponsabilidade fiscal de líderes populistas?
Para responder a essa questão não faz sentido dividir os líderes políticos entre bons e maus, mas examinar as sociedades em que estão inseridos. Em países pobres como a Bolívia ou a Venezuela, a probabilidade de um governo ser bem sucedido é pequena: a cultura e as instituições não são favoráveis e, por isso, governar é muito difícil: tanto as resistências ao populismo econômico quanto à dependência são mais fracas.
Já nos países de nível médio, como o Brasil, o Chile ou a Argentina, a probabilidade de êxito é maior. O Chile é um sucesso nacional, mas trata-se de um país pequeno. A maior esperança do momento na América Latina é Néstor Kirchner, dado o maior desenvolvimento econômico e cultural do país e os êxitos alcançados nos últimos quatro anos em definir uma estratégia nacional que não caia nem no populismo econômico nem na dependência do Norte.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 71, professor emérito da Fundação Getúlio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de "As Revoluções Utópicas dos Anos 60" (Editora 34). Internet: www.bresserpereira.org.br bresserpereira@uol.com.br


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