São Paulo, sábado, 21 de junho de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O programa brasileiro de combate à Aids dá a devida atenção aos homossexuais?

SIM

A Aids não é uma doença dos outros

MARIÂNGELA BATISTA GALVÃO SIMÃO e EUCLIDES AYRES CASTILHO

EMBORA A epidemia de Aids no país tenha surgido entre homossexuais, ao longo do tempo ela atingiu outros segmentos da população, exigindo do governo e da sociedade civil uma resposta ampla. O Brasil constitui um exemplo de que focar o combate à epidemia da Aids apenas em grupos específicos não é suficiente para o enfrentamento do problema.
A visão abrangente do contexto da epidemia resultou na redução do número de infecções estimadas para o Brasil. Em meados de 1990, o Banco Mundial previu que, no ano 2000, o Brasil teria 1,2 milhão de pessoas vivendo com o HIV. Mais de 15 anos depois, a estimativa é de metade desse número -uma mostra de que a estratégia brasileira tem sido acertada.
Dados indicam claramente que a doença atinge todos os segmentos da população, alguns mais do que outros.
Os números mais recentes, inclusive, apontam maior crescimento em mulheres heterossexuais. Na última década de 80, existiam no país 26 homens com Aids para cada mulher.
Hoje, a razão é de 16 homens para 10 mulheres.
É importante ressaltar que esse incremento se deu, principalmente, por transmissão heterossexual (97,3% dos casos notificados, em 2006, entre mulheres acima de 13 anos).
Apesar de a epidemia ter mudado de perfil ao longo dos anos, os homossexuais sempre foram prioritários para o Ministério da Saúde. Estudos indicam que a taxa de incidência da doença é 11 vezes maior em gays em relação à população geral -um dado que fala por si só e que reforça a importância da manutenção de políticas específicas para esse segmento populacional.
Com base nessa situação, o Ministério da Saúde lançou, recentemente, o Plano Nacional de Enfrentamento da Epidemia de Aids e DST entre Gays, Homens que Fazem Sexo com outros Homens e Travestis, o qual fortalece o Programa Brasil Sem Homofobia e a política pública de prevenção e controle das infecções sexualmente transmissíveis e da Aids.
O plano foi resultado de um reconhecimento de vulnerabilidades específicas, que contribuem para que esses segmentos sejam mais sujeitos à infecção pelo HIV.
Além disso, produziram-se campanhas e materiais educativos específicos para o público gay. Em 2002, uma emblemática campanha de massa, que incluía TV e peças gráficas, foi muito bem recebida pelo público-alvo; porém, desafortunadamente, vista com preconceito por outros setores da sociedade.
Em 2007, uma campanha de TV trazia os gays como foco, novamente, para as ações estratégicas.
Em 2008, peças educativas foram distribuídas em boates gays e algumas organizações da sociedade civil.
Por derradeiro, a resposta à pergunta é: sim, o programa brasileiro de Aids dá a devida atenção aos homossexuais. Todavia, direcionar o enfrentamento da epidemia somente aos homossexuais seria um retrocesso.
Representaria uma volta à concepção de que a disseminação do vírus da Aids se restringe a determinados subgrupos populacionais. A Aids não é uma doença dos outros!


MARIÂNGELA BATISTA GALVÃO SIMÃO, 52, médica pediatra e sanitarista, mestre em saúde materno-infantil pelo Instituto da Saúde da Criança da Universidade de Londres (Inglaterra), é diretora do Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde.

EUCLIDES AYRES CASTILHO, 66, médico epidemiologista, professor titular da Faculdade de Medicina da USP, é membro da Comissão Nacional de Aids, do Comitê de Assessoria Técnica sobre HIV e Aids da Organização Panamericana de Saúde e consultor do Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas para HIV e Aids).

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