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Precisa-se de babá
Alvo da ingerência do Estado, o indivíduo adulto parece passar por um processo
de infantilização crescente
nas sociedades ocidentais
Tema clássico entre os teóricos
liberais, a crítica ao excesso de intervenção do Estado na vida dos
indivíduos há um bom tempo deixou de pertencer apenas aos representantes mais convictos desse setor de opinião.
É verdade que, nos Estados Unidos ou no Brasil, há quem se disponha a ideologizar de forma exagerada, como se se tratasse de
atentado aos direitos individuais,
iniciativas de governo basicamente sensatas, como a obrigatoriedade do uso de cintos de segurança.
Vão se tornando visíveis, entretanto, os exageros e as deturpações que, de um ponto de vista
ideológico e mesmo ético, nascem
do espírito de paternalismo e tutela sobre os cidadãos. Curiosamente, não apenas o poder público,
mas também instituições privadas
aumentam dispositivos de controle e a interferência na esfera do
comportamento individual.
Conhecem-se em outros países
exemplos de empresas particulares que se engajam com assustadora veemência na promoção do
bem-estar de seus funcionários
-a ponto de conceder-lhes benefícios caso queiram aderir a programas de controle de peso e de
manutenção da forma física, e
mesmo de fiscalizar-lhes os níveis
de álcool, tabaco e colesterol na
corrente sanguínea.
Uma nova tendência nesse gênero quase orwelliano de cuidados com a saúde individual se dissemina nos EUA, e foi objeto de reportagem no jornal "The New
York Times".
Diante da resistência de pacientes crônicos a tomar os remédios
receitados, vai-se adotando a prática de oferecer prêmios em dinheiro para quem segue à risca as
prescrições do médico.
Não é difícil atinar com a lógica
da iniciativa, que encontra apoio
junto a pesquisadores, hospitais
e, não surpreendentemente, na
indústria farmacêutica e nas empresas de seguro-saúde.
Como internações hospitalares
se tornam cada vez mais dispendiosas, há redução de custos
quando se consegue obter, de pacientes rebeldes à medicação
constante, um comportamento
mais racional e precavido. Para
tornar tudo mais divertido, idealizou-se um sistema semelhante à
loteria, variando ao sabor da sorte
o valor da recompensa.
"Tome o remedinho, é para o
seu próprio bem", poderiam dizer
as autoridades médicas envolvidas na premiação; há nisso, sem
dúvida, o sintoma de alguma patologia social. O indivíduo adulto
passa, provavelmente, por um
processo de infantilização crescente nas sociedades ocidentais.
A vocação humana para a irracionalidade e a imprevidência, que
nunca foi desprezível, seria então
corrigida pela intervenção de alguma instância superior.
A condenação ao "nanny state", como é denominado em inglês, talvez tenha funcionado
-equivocadamente- para estigmatizar iniciativas de proteção
aos desfavorecidos.
Mas quando, ao lado de "Estados-babá", encontramos companhias de seguro, ONGs e institutos
envolvidos numa espécie de puericultura sem distinção de faixa
etária, é o valor do indivíduo, com
todas as suas fragilidades, contradições e erros, que parece entrar
em colapso.
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