São Paulo, segunda-feira, 21 de junho de 2010

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Precisa-se de babá

Alvo da ingerência do Estado, o indivíduo adulto parece passar por um processo de infantilização crescente nas sociedades ocidentais

Tema clássico entre os teóricos liberais, a crítica ao excesso de intervenção do Estado na vida dos indivíduos há um bom tempo deixou de pertencer apenas aos representantes mais convictos desse setor de opinião.
É verdade que, nos Estados Unidos ou no Brasil, há quem se disponha a ideologizar de forma exagerada, como se se tratasse de atentado aos direitos individuais, iniciativas de governo basicamente sensatas, como a obrigatoriedade do uso de cintos de segurança.
Vão se tornando visíveis, entretanto, os exageros e as deturpações que, de um ponto de vista ideológico e mesmo ético, nascem do espírito de paternalismo e tutela sobre os cidadãos. Curiosamente, não apenas o poder público, mas também instituições privadas aumentam dispositivos de controle e a interferência na esfera do comportamento individual.
Conhecem-se em outros países exemplos de empresas particulares que se engajam com assustadora veemência na promoção do bem-estar de seus funcionários -a ponto de conceder-lhes benefícios caso queiram aderir a programas de controle de peso e de manutenção da forma física, e mesmo de fiscalizar-lhes os níveis de álcool, tabaco e colesterol na corrente sanguínea.
Uma nova tendência nesse gênero quase orwelliano de cuidados com a saúde individual se dissemina nos EUA, e foi objeto de reportagem no jornal "The New York Times".
Diante da resistência de pacientes crônicos a tomar os remédios receitados, vai-se adotando a prática de oferecer prêmios em dinheiro para quem segue à risca as prescrições do médico.
Não é difícil atinar com a lógica da iniciativa, que encontra apoio junto a pesquisadores, hospitais e, não surpreendentemente, na indústria farmacêutica e nas empresas de seguro-saúde.
Como internações hospitalares se tornam cada vez mais dispendiosas, há redução de custos quando se consegue obter, de pacientes rebeldes à medicação constante, um comportamento mais racional e precavido. Para tornar tudo mais divertido, idealizou-se um sistema semelhante à loteria, variando ao sabor da sorte o valor da recompensa.
"Tome o remedinho, é para o seu próprio bem", poderiam dizer as autoridades médicas envolvidas na premiação; há nisso, sem dúvida, o sintoma de alguma patologia social. O indivíduo adulto passa, provavelmente, por um processo de infantilização crescente nas sociedades ocidentais. A vocação humana para a irracionalidade e a imprevidência, que nunca foi desprezível, seria então corrigida pela intervenção de alguma instância superior.
A condenação ao "nanny state", como é denominado em inglês, talvez tenha funcionado -equivocadamente- para estigmatizar iniciativas de proteção aos desfavorecidos.
Mas quando, ao lado de "Estados-babá", encontramos companhias de seguro, ONGs e institutos envolvidos numa espécie de puericultura sem distinção de faixa etária, é o valor do indivíduo, com todas as suas fragilidades, contradições e erros, que parece entrar em colapso.


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