São Paulo, segunda-feira, 21 de junho de 2010

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CLAUDIO ANGELO

Matem as baleias!

O mundo terá nesta semana a chance de acabar com uma gorda hipocrisia ambiental.
Uma reunião que começa hoje em Marrocos pode aprovar um acordo que reabre e restringe a caça comercial à baleia, suspensa desde 1986.
A moratória, estabelecida pela CIB (Comissão Internacional da Baleia), foi crucial a seu tempo para evitar que certas espécies se extinguissem. Mas passa da hora de ela cair.
A proibição tem uma brecha pela qual o Japão pode matar mais de mil baleias por ano: basta alegar que a caça é "científica". Os resultados de tal "ciência", claro, estão à venda em supermercados e restaurantes do país.
E assim ficamos: outros países fingem que a caça comercial não existe e insistem na moratória; o Japão finge que faz pesquisa e, segundo denúncias, ainda corrompe nações pobres para votar na comissão a favor da retomada da caça -nos seus termos.
Para moralizar a parada, a presidência da CIB elaborou uma proposta que dá cotas anuais aos países caçadores.
Em troca, estes se abririam à inspeção internacional.
Pelo acordo, mais de 1.500 animais seriam mortos por ano até 2020 com fins comerciais, e 5.000 seriam salvos do shushiman no período.
O maior sinal de que a proposta é boa é o fato de ela ter sido duramente criticada tanto pelos japoneses quanto pelos países conservacionistas.
Entre os opositores está a Austrália, que já ameaçou interpelar o Japão em cortes internacionais. Seu objetivo é transformar os oceanos num grande santuário de cetáceos.
Como em toda negociação do gênero, porém, o que menos importa no tabuleiro da CIB é seu objeto de discussão.
Por trás do aparente altruísmo da Austrália para com os bichinhos fofos está a dura geopolítica: o país considera parte do oceano Austral, onde o Japão caça todo ano, sua zona econômica exclusiva. Não quer frotas de outras potências zanzando por lá.
Tóquio, de sua parte, jamais aposentará o arpão.
Não porque tenha uma próspera economia baleeira, ou porque sua população não possa viver sem o petisco.
Trata-se antes de um ponto inegociável de política externa: garantir o direito a recursos vivos marinhos. Afinal, trata-se de um arquipélago.
Abrir mão das baleias é abrir mão desse princípio. De resto, o Japão pode argumentar que a CIB não foi criada para conservar cetáceos, mas para regular a caça. E que espécies como as baleias minke já se recuperaram ao ponto de admitirem manejo.
Ceder ao sentimentalismo e rejeitar o acordo não fará bem algum às baleias. Ao contrário, chancelará a atitude habitual que permite que quem tem os recursos financeiros continue consumindo recursos naturais como bem entender. Assim na CIB como nas negociações de clima.

CLAUDIO ANGELO é editor de Ciência.


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