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FERNANDO GABEIRA
Corações partidos
PARIS - Depois de dois dias de
trabalho em Genebra, cheguei a Paris pensando em férias. Abri a mala, liguei a TV e lá estava a imagem terrível do desastre
com o Airbus da TAM. Foram dois
dias de debates sobre o futuro:
energia solar, internet, genoma.
Reduzi o volume por causa dos
vizinhos e passei a noite perplexo
com as notícias que vinham de São
Paulo. Era tudo tão familiar; o logo
da TAM, a avenida Washington
Luís, o rosto de William Bonner. Os
debates sobre o futuro pareciam irreais, assim como a lista de livros
que trouxe para comprar.
Era apenas um brasileiro num
quarto de hotel, sofrendo com as
imagens dos familiares das vítimas,
especialmente um casal mais velho
abraçado, olhando desoladamente
para o chão. Nesses momentos, a
noite passada em claro nos obriga a
um exame de consciência, um fluxo que nos arrebata e que, no final,
sempre nos transforma numa outra pessoa.
Desde novembro, falo da crise
aérea. No entanto, fui incapaz de
ajudar o governo ou mesmo de
atravessar a muralha defensiva de
auto-suficiência que criou para
justificar seu ritmo lento. De repente, tudo o que parecia velho e
bolorento em nosso país desaba
nesse pequeno quarto como algo
insuportável. Para começar, a forte
politização de uma CPI que acabou
culpando os americanos pelo desastre do ano passado; e, seguida
nossa tolerância com a incompetência, mergulhados que estamos
em nossas derramadas relações
pessoais, sempre voltadas para os
amigos, enquanto o povo mesmo é
uma abstração destinada a sofrer.
Alguma coisa está rompendo
dentro de nós com a explosão do
Airbus; não dá mais para conciliar
com uma esquerda perdida no
tempo, desoladamente medíocre
até para os padrões do século passado. Não dá mais para conviver
com a aliança de assim chamados
socialistas com os grandes roedores da política nacional.
A corrupção é apenas um tópico.
Há a incompetência que surgiu como um escândalo na tomada do
Instituto Nacional do Câncer, explodiu como uma tragédia na morte das crianças guaranis-caiuás e
agora se arrasta perigosamente na
crise aérea.
Isso não significa que o governo
seja o culpado pelo acidente. Pilotos e especialistas revezaram-se na
CNN tentando explicar os fatores
que podem ter influído na explosão. No fundo, a discussão coincide
com o debate que se trava no Brasil
e que acompanhamos pela internet.
Significa apenas que para cada
um de nós a tragédia terá um peso.
Havia uma certa leveza no exílio,
por sentir-me pouco responsável
pelo que se passava no Brasil.
Estávamos fora e pronto. Havia
muita dor por estar fora.
assessoria gabeira.com.br
FERNANDO GABEIRA escreve aos sábados nesta coluna.
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