São Paulo, sábado, 21 de julho de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

É seguro voar no Brasil?

SIM

Nossa tradição merece respeito

GEORGES DE MOURA FERREIRA, RAUL FRANCÉ MONTEIRO e JEAN-MARIE LAMBERT

VOAR É um sonho que cativa a humanidade, e a aviação representa a vitória do homem sobre a tirania das distâncias. O Brasil possui uma história singular na aviação civil internacional, brindando o mundo desde o século 17 com cientistas do calibre de Bartolomeu de Gusmão, inventor do aeróstato, e Santos Dumont, criador do aparato voador mais pesado que o ar. O Brasil também se destacou no campo da produção das leis que regulamentam a atividade aeronáutica, participando de todas as principais convenções da aviação civil no mundo desde 1919 (convenção de Paris).
Muito embora seus primeiros vôos tenham ocorrido a partir de 1927, a implantação de uma grande malha viária no Brasil começa categoricamente a partir da década de 1930, com a inauguração do Correio Aéreo Militar e graças à intervenção direta do Estado, que chamou para si a responsabilidade de criar uma malha com a capacidade de integrar o país.
O Ministério da Aeronáutica surge em 1941 com a responsabilidade de consolidar e ampliar as conquistas da aviação nacional. Três anos depois, tomamos parte na convenção de Chicago, o que nos facultou figurar como membro originário da Oaci (Organização da Aviação Civil Internacional), que tratou de estabelecer normas e padrões de segurança para as operações aeronáuticas, desde então seguidas por todos os países-membros. Seguindo as regras de segurança que ajudou a criar, o Brasil faz parte do grupo 1 do Conselho da Oaci há mais de 60 anos, sendo uma referência na segurança de operações de vôo. Tanto assim que tem sob sua responsabilidade o controle e o monitoramento de uma área correspondente a 22 milhões de km2, que envolve seu território e metade do Atlântico sul.
Para ter uma idéia, em suas funções cotidianas, o Decea (Departamento de Controle do Espaço Aéreo) lida por dia com centenas de vôos internacionais em sua jurisdição e presta assistência para tantos mais que utilizam seu controle para chegar ou sair da América do Sul, contando, para isso, com 12.800 profissionais, entre controladores e técnicos das áreas de informática, eletrônica, meteorologia, informações aeronáuticas, cartografia e segurança de vôo. Contudo, como seqüela de dois grandes acidentes aéreos que abalaram o Brasil, a qualidade do sistema aeronáutico e de nossos técnicos está sendo duramente questionada. Faz-se necessário expender algumas considerações. As causas dos acidentes ainda precisam ser investigadas, mas, sob o ponto de vista de treinamento, disponibilidade e competência, não há nada de errado com nossos expertos.
O que ocorre é que os recursos que deveriam ser reservados para o desempenho de suas funções não são repassados na totalidade. Em números, dos R$ 611 milhões requeridos pelo Decea para operar em 2007, o Orçamento previu R$ 485 milhões. Até março de 2007, teriam sido aplicados R$ 6 milhões em manutenção de equipamentos, enquanto a rubrica "modernização" tinha, até meados de março deste ano, R$ 10 mil como "valores pagos" e pouco mais de R$ 13 milhões como "empenhados". Enquanto isso, a arrecadação das taxas ultrapassa os R$ 2 bilhões.
Mesmo diante desse quadro, seria sensato não falar em insegurança do sistema aeronáutico, mas apenas na existência de dificuldades pontuais, que podem ser corrigidas, desde que se apliquem verbas para tanto.
Será indispensável a participação da sociedade brasileira na solução dos problemas de nossa aviação. Será ainda mais importante que os brasileiros conheçam mais sua aviação e que compreendam a dimensão de sua importância. Criamos algo bom e, graças a nossa competência, o mundo ainda nos vê como bons parceiros quando o assunto é a aviação.
Voar no Brasil é seguro, mesmo que fosse pela necessidade capitalista do lucro. Entretanto, apesar de ser seguro, o sistema aeronáutico no Brasil -e a maneira como ele está sendo administrado- vem provocando confusão e a sensação de insegurança. A aviação precisa ser administrada por quem a conheça -e a ame.


GEORGES DE MOURA FERREIRA , aviador e advogado, é professor de direito aeronáutico internacional e pesquisador da UCG (Universidade Católica de Goiás).
RAUL FRANCÉ MONTEIRO, piloto de linha aérea, é coordenador do curso de ciências aeronáuticas da UCG.
JEAN-MARIE LAMBERT, mestre em direito internacional pela Universidade de Bruxelas e doutor em relações internacionais pela Universidade de Liège (Bélgica), é pesquisador na área do direito espacial.


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