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TENDÊNCIAS/DEBATES
É seguro voar no Brasil?
SIM
Nossa tradição merece respeito
GEORGES DE MOURA FERREIRA, RAUL FRANCÉ MONTEIRO e JEAN-MARIE LAMBERT
VOAR É um sonho que cativa a
humanidade, e a aviação representa a vitória do homem sobre a tirania das distâncias. O Brasil
possui uma história singular na aviação civil internacional, brindando o
mundo desde o século 17 com cientistas do calibre de Bartolomeu de Gusmão, inventor do aeróstato, e Santos
Dumont, criador do aparato voador
mais pesado que o ar.
O Brasil também se destacou no
campo da produção das leis que regulamentam a atividade aeronáutica,
participando de todas as principais
convenções da aviação civil no mundo desde 1919 (convenção de Paris).
Muito embora seus primeiros vôos
tenham ocorrido a partir de 1927, a
implantação de uma grande malha
viária no Brasil começa categoricamente a partir da década de 1930,
com a inauguração do Correio Aéreo
Militar e graças à intervenção direta
do Estado, que chamou para si a responsabilidade de criar uma malha
com a capacidade de integrar o país.
O Ministério da Aeronáutica surge
em 1941 com a responsabilidade de
consolidar e ampliar as conquistas da
aviação nacional. Três anos depois,
tomamos parte na convenção de Chicago, o que nos facultou figurar como
membro originário da Oaci (Organização da Aviação Civil Internacional),
que tratou de estabelecer normas e
padrões de segurança para as operações aeronáuticas, desde então seguidas por todos os países-membros.
Seguindo as regras de segurança
que ajudou a criar, o Brasil faz parte
do grupo 1 do Conselho da Oaci há
mais de 60 anos, sendo uma referência na segurança de operações de vôo.
Tanto assim que tem sob sua responsabilidade o controle e o monitoramento de uma área correspondente a
22 milhões de km2, que envolve seu
território e metade do Atlântico sul.
Para ter uma idéia, em suas funções cotidianas, o Decea (Departamento de Controle do Espaço Aéreo)
lida por dia com centenas de vôos internacionais em sua jurisdição e
presta assistência para tantos mais
que utilizam seu controle para chegar
ou sair da América do Sul, contando,
para isso, com 12.800 profissionais,
entre controladores e técnicos das
áreas de informática, eletrônica, meteorologia, informações aeronáuticas, cartografia e segurança de vôo.
Contudo, como seqüela de dois
grandes acidentes aéreos que abalaram o Brasil, a qualidade do sistema
aeronáutico e de nossos técnicos está
sendo duramente questionada.
Faz-se necessário expender algumas considerações. As causas dos acidentes ainda precisam ser investigadas, mas, sob o ponto de vista de treinamento, disponibilidade e competência, não há nada de errado com
nossos expertos.
O que ocorre é que os recursos que
deveriam ser reservados para o desempenho de suas funções não são
repassados na totalidade. Em números, dos R$ 611 milhões requeridos
pelo Decea para operar em 2007, o
Orçamento previu R$ 485 milhões.
Até março de 2007, teriam sido aplicados R$ 6 milhões em manutenção
de equipamentos, enquanto a rubrica
"modernização" tinha, até meados de
março deste ano, R$ 10 mil como "valores pagos" e pouco mais de R$ 13
milhões como "empenhados". Enquanto isso, a arrecadação das taxas
ultrapassa os R$ 2 bilhões.
Mesmo diante desse quadro, seria
sensato não falar em insegurança do
sistema aeronáutico, mas apenas na
existência de dificuldades pontuais,
que podem ser corrigidas, desde que
se apliquem verbas para tanto.
Será indispensável a participação
da sociedade brasileira na solução
dos problemas de nossa aviação. Será
ainda mais importante que os brasileiros conheçam mais sua aviação e
que compreendam a dimensão de sua
importância. Criamos algo bom e,
graças a nossa competência, o mundo
ainda nos vê como bons parceiros
quando o assunto é a aviação.
Voar no Brasil é seguro, mesmo
que fosse pela necessidade capitalista
do lucro. Entretanto, apesar de ser
seguro, o sistema aeronáutico no
Brasil -e a maneira como ele está
sendo administrado- vem provocando confusão e a sensação de insegurança. A aviação precisa ser administrada por quem a conheça -e a ame.
GEORGES DE MOURA FERREIRA , aviador e advogado, é
professor de direito aeronáutico internacional e pesquisador da UCG (Universidade Católica de Goiás).
RAUL FRANCÉ MONTEIRO, piloto de linha aérea, é coordenador do curso de ciências aeronáuticas da UCG.
JEAN-MARIE LAMBERT, mestre em direito internacional
pela Universidade de Bruxelas e doutor em relações internacionais pela Universidade de Liège (Bélgica), é pesquisador na área do direito espacial.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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