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TENDÊNCIAS/DEBATES
É seguro voar no Brasil?
NÃO
Viajantes correm risco desnecessário
MARC BAUMGARTNER
OS ACONTECIMENTOS da última terça em Congonhas não
foram uma completa surpresa.
Desde a colisão do avião da Gol, no
ano passado, as preocupações com a
segurança da aviação brasileira se generalizaram. Quando me convidaram
a escrever sobre a segurança de vôo
no Brasil, decidi que era importante
explicar primeiro alguns dos fatos básicos da segurança da aviação.
Todos os países dotados de sistemas de aviação precisam respeitar regras, supervisionadas pela Organização Internacional da Aviação Civil.
Ainda que grandes desastres aconteçam raramente, há muitos acidentes e incidentes menos catastróficos.
Eles em geral servem como indicadores de problemas subjacentes de segurança, os quais, caso não sejam corrigidos, podem conduzir a acidentes
mais sérios. Convencer os passageiros quanto à segurança de que desfrutarão é, portanto, um pré-requisito
para que o negócio da aviação possa
operar de maneira sustentada.
Quando há acidentes, o foco tende a
ser mais a prevenção de novos episódios semelhantes e a adesão a padrões
mínimos do que a busca por melhores
padrões e práticas. Essa abordagem
reacionária funcionou por certo tempo, até que se tornasse cada vez mais
difícil promover melhorias adicionais
na segurança. Hoje, a segurança é administrada de forma mais proativa.
Ignorar padrões e recomendações
internacionais e sinais de alerta que
acidentes ou incidentes oferecem eleva o risco a um ponto inaceitável.
A Ifatca (Federação Internacional
de Associações dos Controladores de
Tráfego Aéreo, na sigla em inglês)
acredita que o "plano B" da FAB ignora padrões internacionais. Ele dispõe
que todas as barreiras de segurança
sejam rebaixadas. Assim, cresceram
os riscos de que o sistema de controle
de vôo contribua para um novo acidente nos próximos 30 dias. Essas
barreiras foram rebaixadas:
- pela contratação de funcionários
que não atendem a padrões internacionais de treinamento/qualificação;
- pela falta de solução das lacunas
de segurança no sistema, como equipamentos inadequados de rádio e radar, cobertura de radar insuficiente,
falta de sistemas de rádio de reserva;
- pelo não-reconhecimento de que
o sistema "tubelos" não é adequado
ao controle moderno de vôo.
O horrível acidente com o avião da
TAM foi o auge de uma série de incidentes semelhantes. Os problemas
com o projeto do aeroporto mais movimentado da América do Sul eram
bem conhecidos pelas autoridades. A
administração de segurança ou risco
parece ter sido ignorada ou não ter sido tratada com o devido cuidado.
A reforma do sistema brasileiro de
administração do tráfego aéreo é urgentemente necessária. O Brasil não
será capaz de sustentar a alta prevista
no tráfego ou cumprir sua responsabilidade no que tange a prover um sistema seguro de transporte aéreo.
Atualmente, a reforma está paralisada, pois os que tentaram indicar as
inadequações do sistema foram presos. O uso de detenções e um regime
de medo geram um conhecido risco
-o de que informações relevantes
não sejam reportadas por todos os
elos na cadeia de segurança de vôo.
O principal problema é a falta de
fiscalização. A agência regulatória,
que deveria exercer as funções de fiscalização, responde também pela
prestação dos serviços e pela investigação de acidentes. O público viajante
está sendo iludido e colocado em risco de segurança desnecessário.
Pelos motivos mencionados, eu não
viajarei ao Brasil e recomendo aos
meus amigos que tampouco o façam.
Porém, a Ifatca continuará tentando promover mudanças e contribuir
para a reforma e a melhora da segurança no Brasil. A Ifatca escreveu ao
governo brasileiro para solicitar que
representantes dos controladores de
vôo sejam associados ao processo de
mudança e informou que oferece assistência para a implementação das
reformas urgentemente necessárias.
Continuamos dispostos a ajudar,
desde que o governo liberte os profissionais altamente treinados e capacitados do setor e suspenda o plano B.
MARC BAUMGARTNER, formado em psicologia pela Universidade de Paris (França), controlador de vôo em Genebra (Suíça), é presidente da Ifatca (Federação Internacional de Associações de Controladores de Tráfego Aéreo, na
sigla em inglês) desde 2002, entidade que representa 50
mil controladores de vôo em 130 países.
Tradução de PAULO MIGLIACCI.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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