São Paulo, sábado, 21 de julho de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

É seguro voar no Brasil?

NÃO

Viajantes correm risco desnecessário

MARC BAUMGARTNER

OS ACONTECIMENTOS da última terça em Congonhas não foram uma completa surpresa. Desde a colisão do avião da Gol, no ano passado, as preocupações com a segurança da aviação brasileira se generalizaram. Quando me convidaram a escrever sobre a segurança de vôo no Brasil, decidi que era importante explicar primeiro alguns dos fatos básicos da segurança da aviação. Todos os países dotados de sistemas de aviação precisam respeitar regras, supervisionadas pela Organização Internacional da Aviação Civil.
Ainda que grandes desastres aconteçam raramente, há muitos acidentes e incidentes menos catastróficos. Eles em geral servem como indicadores de problemas subjacentes de segurança, os quais, caso não sejam corrigidos, podem conduzir a acidentes mais sérios. Convencer os passageiros quanto à segurança de que desfrutarão é, portanto, um pré-requisito para que o negócio da aviação possa operar de maneira sustentada. Quando há acidentes, o foco tende a ser mais a prevenção de novos episódios semelhantes e a adesão a padrões mínimos do que a busca por melhores padrões e práticas. Essa abordagem reacionária funcionou por certo tempo, até que se tornasse cada vez mais difícil promover melhorias adicionais na segurança. Hoje, a segurança é administrada de forma mais proativa.
Ignorar padrões e recomendações internacionais e sinais de alerta que acidentes ou incidentes oferecem eleva o risco a um ponto inaceitável. A Ifatca (Federação Internacional de Associações dos Controladores de Tráfego Aéreo, na sigla em inglês) acredita que o "plano B" da FAB ignora padrões internacionais. Ele dispõe que todas as barreiras de segurança sejam rebaixadas. Assim, cresceram os riscos de que o sistema de controle de vôo contribua para um novo acidente nos próximos 30 dias. Essas barreiras foram rebaixadas:
- pela contratação de funcionários que não atendem a padrões internacionais de treinamento/qualificação;
- pela falta de solução das lacunas de segurança no sistema, como equipamentos inadequados de rádio e radar, cobertura de radar insuficiente, falta de sistemas de rádio de reserva;
- pelo não-reconhecimento de que o sistema "tubelos" não é adequado ao controle moderno de vôo.
O horrível acidente com o avião da TAM foi o auge de uma série de incidentes semelhantes. Os problemas com o projeto do aeroporto mais movimentado da América do Sul eram bem conhecidos pelas autoridades. A administração de segurança ou risco parece ter sido ignorada ou não ter sido tratada com o devido cuidado. A reforma do sistema brasileiro de administração do tráfego aéreo é urgentemente necessária. O Brasil não será capaz de sustentar a alta prevista no tráfego ou cumprir sua responsabilidade no que tange a prover um sistema seguro de transporte aéreo.
Atualmente, a reforma está paralisada, pois os que tentaram indicar as inadequações do sistema foram presos. O uso de detenções e um regime de medo geram um conhecido risco -o de que informações relevantes não sejam reportadas por todos os elos na cadeia de segurança de vôo.
O principal problema é a falta de fiscalização. A agência regulatória, que deveria exercer as funções de fiscalização, responde também pela prestação dos serviços e pela investigação de acidentes. O público viajante está sendo iludido e colocado em risco de segurança desnecessário. Pelos motivos mencionados, eu não viajarei ao Brasil e recomendo aos meus amigos que tampouco o façam.
Porém, a Ifatca continuará tentando promover mudanças e contribuir para a reforma e a melhora da segurança no Brasil. A Ifatca escreveu ao governo brasileiro para solicitar que representantes dos controladores de vôo sejam associados ao processo de mudança e informou que oferece assistência para a implementação das reformas urgentemente necessárias. Continuamos dispostos a ajudar, desde que o governo liberte os profissionais altamente treinados e capacitados do setor e suspenda o plano B.


MARC BAUMGARTNER, formado em psicologia pela Universidade de Paris (França), controlador de vôo em Genebra (Suíça), é presidente da Ifatca (Federação Internacional de Associações de Controladores de Tráfego Aéreo, na sigla em inglês) desde 2002, entidade que representa 50 mil controladores de vôo em 130 países.

Tradução de PAULO MIGLIACCI.

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