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O leão e o porco
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - No primeiro semestre
do ano, o déficit na balança comercial
dobrou em relação ao do ano passado.
Como dizem os economistas, "alguma
coisa" entre US$ 7 bilhões de 96 para
US$ 15 bilhões em 97. Em matéria de
sinal amarelo, é bastante. Apesar disso, a equipe econômica acha que está
tudo azul, ou verde. A bicicleta não
pode parar. Se parar, perde o equilíbrio.
Curiosamente, já ouvimos essa mesma história no passado recente. Foi
assim que o Brasil teve uma década
perdida e chegamos à hiperinflação.
Bem, o déficit na balança é uma das
coordenadas que garante a estabilidade da moeda (a outra é a ficção cambial que coloca a nossa moeda num
patamar que nada tem de real). Pergunta-se: o que é pior, gastar mais do
que se ganha ou ganhar sempre a mesma coisa, sem possibilidade real de
uma melhoria no padrão de vida?
As duas hipóteses estão misturadas.
É como discutir o que é menos confortável: ser focinho de porco ou rabo de
leão. A escolha é problemática, as alternativas parece que se equivalem.
O debate poderia resultar acadêmico
-apesar de estarem em disputa as
partes menos nobres de dois animais
que merecem respeito. Na prática, o
que está em jogo é toda uma sociedade
formada por 150 milhões de brasileiros que podem comprar camisinhas
baratas fabricadas na Coréia, mas
não podem garantir o salário no fim
do mês.
O horror econômico é anestesiante.
Não faz aquele ruído de botas e sabres
das ditaduras militares. É silencioso,
até certo ponto asséptico. Nem adianta fazer marola porque ninguém está
seguro de terminar o mês no cada vez
menor mercado de trabalho.
Esse custo social é maior do que a
oferta neoliberal das camisinhas coreanas mais baratas. Mesmo porque,
se a camisinha se romper, haverá mais
um brasileiro sujeito a nascer numa
pia de hospital e a morrer de sarampo.
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