São Paulo, quinta, 21 de agosto de 1997.



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O leão e o porco

CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - No primeiro semestre do ano, o déficit na balança comercial dobrou em relação ao do ano passado. Como dizem os economistas, "alguma coisa" entre US$ 7 bilhões de 96 para US$ 15 bilhões em 97. Em matéria de sinal amarelo, é bastante. Apesar disso, a equipe econômica acha que está tudo azul, ou verde. A bicicleta não pode parar. Se parar, perde o equilíbrio.
Curiosamente, já ouvimos essa mesma história no passado recente. Foi assim que o Brasil teve uma década perdida e chegamos à hiperinflação. Bem, o déficit na balança é uma das coordenadas que garante a estabilidade da moeda (a outra é a ficção cambial que coloca a nossa moeda num patamar que nada tem de real). Pergunta-se: o que é pior, gastar mais do que se ganha ou ganhar sempre a mesma coisa, sem possibilidade real de uma melhoria no padrão de vida?
As duas hipóteses estão misturadas. É como discutir o que é menos confortável: ser focinho de porco ou rabo de leão. A escolha é problemática, as alternativas parece que se equivalem.
O debate poderia resultar acadêmico -apesar de estarem em disputa as partes menos nobres de dois animais que merecem respeito. Na prática, o que está em jogo é toda uma sociedade formada por 150 milhões de brasileiros que podem comprar camisinhas baratas fabricadas na Coréia, mas não podem garantir o salário no fim do mês.
O horror econômico é anestesiante. Não faz aquele ruído de botas e sabres das ditaduras militares. É silencioso, até certo ponto asséptico. Nem adianta fazer marola porque ninguém está seguro de terminar o mês no cada vez menor mercado de trabalho.
Esse custo social é maior do que a oferta neoliberal das camisinhas coreanas mais baratas. Mesmo porque, se a camisinha se romper, haverá mais um brasileiro sujeito a nascer numa pia de hospital e a morrer de sarampo.



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