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A vitória de Merquior
OTAVIO FRIAS FILHO
Nesta década Nelson Rodrigues foi
canonizado, Paulo Francis e Roberto
Campos foram consagrados, Arnaldo
Jabor converteu-se em polemista, o
escritor Olavo de Carvalho acaba de
virar capa de revista, o poeta Bruno
Tolentino deflagrou controvérsias
violentíssimas. Os anos 90 são uma
era de intenso revisionismo cultural.
É pena que José Guilherme Merquior não tenha vivido para presenciar a vitória, embora os que combatem sob sua insígnia continuem a lutar encarniçadamente, como se estivessem cercados num desfiladeiro
sem se dar conta de que o adversário
sumiu. Já é tempo de perguntar que
vitória é essa e aonde ela conduz.
Os inimigos agora derrotados são os
mesmos que Merquior havia identificado tão cedo: o marxismo, a psicanálise, o estruturalismo, qualquer sistema totalizante que pretenda subordinar o comportamento humano à suposta ação de forças impessoais, invisíveis e inconscientes. O "neo-revisionismo" gosta do particular.
Seu alvo é a mentalidade "progressista" -vagamente humanista e de esquerda- que se firmou nos meios
cultos do Brasil na década de 50 a partir de vários centros, mas especialmente da Universidade de São Paulo.
Formada por uma missão francesa, a
USP refletiu a influência esquerdizante da intelectualidade parisiense no
pós-guerra.
O "progressismo" rapidamente extrapolou do meio universitário para o
ambiente artístico, para a imprensa e
para a Igreja Católica, ou parte importante dela. Sempre estimulada pelo
maniqueísmo da Guerra Fria, essa
mentalidade ganhou força moral com
as perseguições que sofreu durante o
regime militar (1964-85).
Com a redemocratização, ela se
mostrou "hegemônica" -para utilizar uma expressão tipicamente sua-,
inspirou o Plano Cruzado, fez a Constituição de 88. De repente, porém, "o
mundo mudou" e ela entrou em colapso, como tantas outras coisas mais.
Os revisionistas se dedicam agora a
espancar os seus destroços.
No começo as idéias "progressistas"
eram equivocadas, falsas, demagógicas. Agora elas são imorais, monstruosas, patogênicas. Foi lançado com
alarde internacional um "Manual do
Perfeito Idiota Latino-americano",
voltado ao público de esquerda. "O
Imbecil Coletivo" é o nome do último
livro de Olavo de Carvalho.
O autor inverte os valores implicados em todos os pontos de honra do
ideário "progressista" -o banimento do preconceito de raça, a igualdade
moral dos homossexuais-, submetendo-os a uma revisão brutal, às vezes vulgar, às vezes capciosa, quase
sempre argumentada com clareza e
precisão. O resultado é escandaloso.
A mentalidade "progressista" tem
de enfrentar sua hora da verdade, é
ótimo abalar certezas que estão caindo de podre. Falta aos "neo-revisionistas" esclarecer, porém, o que pretendem pôr no lugar além desse conformismo fragmentário e pós-utópico. O livre-mercado também é uma
força inconsciente, impessoal e invisível.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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