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ANTONIO DELFIM NETTO
Um crítico tardio
do mercado
Em Guayaquil, no Equador, o
presidente Fernando Henrique
Cardoso disse algumas verdades que,
se ele tivesse levado a sério desde 1993,
quando foi ministro da Fazenda de
Itamar Franco, o Brasil estaria em situação muito diferente. Atentemos
para elas:
1. "Não há razão para que se acredite
que, no futuro, não se possam manter,
seja quem for o presidente eleito, os
nossos fundamentos econômicos,
porque eles estão apoiados na vontade
geral da sociedade". É claro que é sempre discutível saber o que são os "fundamentos econômicos" e muito mais
ainda se eles derivam mesmo da "vontade geral da sociedade", mas a proposição é perfeitamente aceitável diante
do quadro institucional consolidado
que foi construído a partir da Constituição de 1988. A prova disso é que foram defenestrados, dentro da lei, vários membros do Legislativo e um
presidente sem o menor problema
institucional. É de concluir-se, portanto, que há uma precipitação dos mercados quando crêem que alguns dos
candidatos não vão manter aqueles
"fundamentos".
2. "Não há mecanismos capazes de
rebater certas pressões que vêm do
mercado financeiro e destroem, em
pouco tempo, o que se levou anos para construir". Afirmação correta, mas
surpreendente para quem organizou
um governo com a premissa de que o
Estado sempre erra e que o mercado
sempre resolve com eficiência qualquer problema. O que não se disse é
que a "construção", quando feita com
o apoio da ampla liberdade de movimento de capitais e com o uso excessivo de poupança externa, como nos últimos oito anos, é sujeita a fortes abalos sísmicos e não tem alicerces adequados!
3. "Os fundamentos da economia
brasileira são os melhores possíveis.
Isso é reafirmado por todos -pelo
FMI, pelo Banco Mundial e por economistas do mundo inteiro. E, não
obstante, os mercados não prestam
atenção a isso. Ficam prestando atenção ao que poderá acontecer eventualmente no futuro se, se e se...". Certamente, dizer que nossos fundamentos
são os melhores possíveis e ao mesmo
tempo ter de ir às pressas ao FMI, pela
terceira vez em quatro anos, é um exagero. O lamento do presidente é perfeitamente compreensível, mas ignora
o fato sempre lembrado por sua equipe econômica de que o "mercado sabe
o que faz e olha para a frente". Logo,
deixemo-lo sossegado...
A proposição nš 1 é uma resposta definitiva para aqueles que não entendem (ou preferem ignorar) que as
duas instituições básicas do capitalismo democrático, o "mercado" e a "urna", se corrigem mutuamente num
aperfeiçoamento contínuo: o "mercado" pune o excesso de voluntarismo
do poder incumbente criado pela "urna", e a "urna" corrige, pela substituição do poder incumbente, o "excesso"
de mercadismo. Por mais poderoso
que seja o "mercado", a "urna" dificilmente será sua serva.
O grande paradoxo é que o discurso
do intelectual Fernando Henrique
Cardoso aproxima-o mais de alguns
dos críticos que o admiram do que do
"mercadismo" que infeccionou o seu
governo. O velho sociólogo redescobriu, tardiamente, que o povo e a nação valem mais do que o mercado. Ele
sempre soube disso, mas esqueceu no
governo...
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br
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