|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
O pó e o pão
RIO DE JANEIRO - Que o capitalismo é mesmo selvagem, é. Disso ninguém
pode duvidar. Mas tudo começou de
mansinho, bem lá atrás. Hoje sabemos que os avanços tecnológicos, se
de um lado tornaram a vida mais
confortável e prática para uma grande parte da humanidade, por outra
parte condenou um escalão cada vez
maior da mesmíssima humanidade
ao desemprego, à subvida que criou
os grotões de miséria que aumentam
na proporção em que a tecnologia
avança.
Pode parecer ridículo, mas a selvageria do capitalismo começou, creio
eu, quando inventaram o carrinho
de mão. Coisa inofensiva, primitiva,
mais tarde superada por veículos
bem maiores e eficientes.
Mas, com a invenção da roda, algum filho daquilo, cansado de transportar pessoas ou pesos com carrinhos de varal com dois homens, um à
frente, outro atrás, lembrou-se de colocar uma roda num dos lados e aí
criou o carrinho de mão.
Ficou mais fácil e menos pesado
transportar gente ou pedras para as
construções. Contudo diminuiu consideravelmente o mercado de trabalho, em que eram necessários dois homens para fazer a mesma coisa. Com
o carrinho de mão, um deles dançou
e ficou sem emprego.
Um economista versado em estatística afirmaria com autoridade que o
carrinho de mão diminuiu em 50% o
mercado de trabalho. Hoje, os robôs
fazem a mesma coisa, dispensando
cada vez mais a mão humana.
Os candidatos à Presidência estão
prometendo gerar empregos -uns
falam em 10 milhões, outros em 15
milhões de novas frentes de trabalho.
Deixo, como sugestão, desinteressada
como sempre, a idéia de proibir o uso
dos carrinhos de mão.
Voltaríamos a precisar de dois homens para levar certos pesos de um
lugar para outro. Absorveríamos
considerável massa de trabalhadores
que estão comendo o pó que o diabo
amassou -ou, quer dizer, o pão que
nem o diabo é capaz de amassar.
Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: O tempo de Serra Próximo Texto: Antonio Delfim Netto: Um crítico tardio do mercado Índice
|