São Paulo, quarta-feira, 21 de agosto de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

O pó e o pão

RIO DE JANEIRO - Que o capitalismo é mesmo selvagem, é. Disso ninguém pode duvidar. Mas tudo começou de mansinho, bem lá atrás. Hoje sabemos que os avanços tecnológicos, se de um lado tornaram a vida mais confortável e prática para uma grande parte da humanidade, por outra parte condenou um escalão cada vez maior da mesmíssima humanidade ao desemprego, à subvida que criou os grotões de miséria que aumentam na proporção em que a tecnologia avança.
Pode parecer ridículo, mas a selvageria do capitalismo começou, creio eu, quando inventaram o carrinho de mão. Coisa inofensiva, primitiva, mais tarde superada por veículos bem maiores e eficientes.
Mas, com a invenção da roda, algum filho daquilo, cansado de transportar pessoas ou pesos com carrinhos de varal com dois homens, um à frente, outro atrás, lembrou-se de colocar uma roda num dos lados e aí criou o carrinho de mão.
Ficou mais fácil e menos pesado transportar gente ou pedras para as construções. Contudo diminuiu consideravelmente o mercado de trabalho, em que eram necessários dois homens para fazer a mesma coisa. Com o carrinho de mão, um deles dançou e ficou sem emprego.
Um economista versado em estatística afirmaria com autoridade que o carrinho de mão diminuiu em 50% o mercado de trabalho. Hoje, os robôs fazem a mesma coisa, dispensando cada vez mais a mão humana.
Os candidatos à Presidência estão prometendo gerar empregos -uns falam em 10 milhões, outros em 15 milhões de novas frentes de trabalho. Deixo, como sugestão, desinteressada como sempre, a idéia de proibir o uso dos carrinhos de mão.
Voltaríamos a precisar de dois homens para levar certos pesos de um lugar para outro. Absorveríamos considerável massa de trabalhadores que estão comendo o pó que o diabo amassou -ou, quer dizer, o pão que nem o diabo é capaz de amassar.



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