São Paulo, quarta-feira, 21 de agosto de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

2003?

CESAR MAIA

É normal que, nas campanhas eleitorais, os candidatos projetem suas promessas para o final de seus mandatos. Ou seja, sabemos que todos querem a reforma tributária, o crescimento da economia, os juros mais baixos; querem reestruturar o sistema de crédito e ter a dívida pública com maior perfil. Consensualmente, querem um novo perfil do comércio exterior.
Sabemos também de seus compromissos sociais e da ampliação de programas existentes e criação de novos. Todos querem elevar o salário mínimo. Tenho a certeza de que são compromissos viáveis e que, até o final da administração do vencedor, em 2006, eles poderão ser realizados.
Numa conjuntura de normalidade, poder-se-ia imaginar que chegariam a esses objetivos num processo de deslizamento através dos ajustes necessários. Mas, numa conjuntura de crise, não há como fugir da discussão sobre o curto prazo. Aí vale a história de dois velejadores desprevenidos em alto mar, sendo carregados pela correnteza. Olham para uma ilha alguns quilômetros à frente e um deles começa a imaginar o que fará quando chegar lá. Fala dos frutos e das boas companhias, do teto, da cozinha e do banheiro. Até que o outro o interrompe e propõe conversarem sobre como chegarão à ilha.
Em macroeconomia, os especialistas têm muitas divergências e pelo menos uma concordância: os projetos de longo prazo se constroem ou se destroem pelas intervenções sequenciais no curto prazo. Política em geral e política econômica em particular são mais bem entendidas pela teoria dos jogos, especificamente dos jogos estratégicos, em que os resultados dependem da percepção dos atores sobre si mesmos, sobre seus parceiros, sobre seus adversários, sobre o cenário em que operam, sobre a equipagem que levam e sobre as influências internas e externas.
Os atores do jogo político e econômico brasileiro projetam cenários futuros que, ainda mais numa época de incertezas, independem do que eles dizem. Isso acontece mesmo que todos estejam falando a verdade. E mais: acontece muitas vezes, principalmente levando em conta que todos estejam falando a verdade. É o caso de hoje, aqui e agora.
Algumas questões raramente constam do debate público, mas são presentes no debate privado. Por exemplo: em que medida as bases do PT são mais radicais que a cúpula do partido? Em que medida irão se imaginar no poder e tentar fazer valer o programa de antes? Num caso de derrota do PT para o candidato do PPS com suas agregações juninas, o quanto de frustração levará a uma radicalização de todo o PT contra o novo governo? Que tamanho de voluntarismo teria um governo do PPS, na medida em que é evidente que o perfil psicológico do candidato é de quem acredita piamente no que fala?


Os candidatos, ao não quererem tratar das questões de curto prazo, por medo do desgaste, fazem um jogo perigoso


O que fará o candidato do governo com o grau de dispersão política que sua pré-candidatura provocou, com um governo de base parlamentar menor que a atual e com a ira dos derrotados e de antigos parceiros do governo? Que taxa de resistência enfrentará?
Todos esses elementos fazem parte da rotina dos atores, principalmente os economicamente mais expressivos, cujas expectativas podem afetar a conjuntura. Esse quadro geral está produzindo um cenário de enormes incertezas sobre o ano de 2003. E, ao afetar o ano de 2003 -o curto prazo-, afeta por rebatimento o ano de 2002 -o curtíssimo prazo-, mesmo que todos estejam muito esperançosos quanto ao futuro, quanto a 2006. Uma empresa, antes de quebrar pelos registros nos lucros e perdas, quebra pelo fluxo de caixa. Os governos não são diferentes. E os países também não.
Sempre que os resultados e o patrimônio de alguns dependem das decisões de outros e que esses alguns acreditam que os outros vão atuar de forma defensiva, eles o tentam fazer na frente, porque o custo da proteção é menor. Por exemplo: a taxa de câmbio está acima do equilíbrio. Quando a situação voltar ao normal, quem a usou um pouco antes terá uma perda menor do que os que a usaram mais tarde. Quanto mais longe no tempo projetarem essa volta à normalidade, mais eles estarão dispostos a aceitar taxas maiores, imaginando que poderão sair dessas posições antes dos outros e que terão tempo para pensar.
Por isso tudo, os candidatos, ao não quererem tratar das questões de curto prazo, por medo do desgaste, fazem um jogo perigoso, que retira dos seus governos todo um ano, correndo o risco de este ano perdido de 2003 contaminar os demais e lançar seus compromissos e promessas para um prazo maior que o de seu mandato.
Esta é a discussão relevante hoje. Desde já devem responder, mesmo que em círculos fechados, o que proporá o candidato eleito no dia 30 de outubro ao governo atual, na transição. Que garantias efetivas terão os aplicadores? Com que entusiasmo tratarão a meta de inflação? Será que preferem uma comodidade fiscal maior, com uma inflação bem maior? Se for assim, como imaginam que os atores se comportarão desde já?
O curto prazo, numa economia de mercado, sempre foi uma questão crucial. É sobre essa questão crucial que todos querem saber. De resto, todos sabem que os candidatos são sérios e bem intencionados. Mas, como dizia lorde Keynes, a longo prazo provavelmente estaremos mortos.


Cesar Maia, 57, economista, é prefeito, pelo PFL, do Rio de Janeiro. Foi prefeito da mesma cidade de 1993 a 1996.



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