São Paulo, quarta-feira, 21 de agosto de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Johannesburgo

ISRAEL KLABIN

O atual ciclo econômico pode se caracterizar como ponte de transição não só para o planeta, como um todo, mas sobretudo para o Brasil. São exatamente os caminhos que serão tomados agora, quanto aos modelos econômicos e sociais, que nos permitirão encontrar um futuro melhor ou situações de catástrofe e conflitos tais como a humanidade nunca experimentou.
Quais serão as formulações de cenários futuros não apenas balizados por todos os avanços da humanidade até agora, mas que também sirvam para a correção dos gargalos criados no passado recente?
A primeira constatação é a de que o modelo macroeconômico, criado após a Segunda Guerra Mundial, em Bretton Woods, está anacrônico não só em seu cerne, o conceito de moeda e de suas paridades, mas também nos instrumentos usados naquela época para correção das distorções que já eram esperadas.
A segunda constatação é a de que o modelo de desenvolvimento econômico quantitativo, baseado em consumo e que provoca cada vez mais consumo não essencial, concentrando os benefícios em uma massa cada vez menor de consumidores, já se tornou inviável. Além disso, a depleção de recursos naturais e o gigantesco impacto ambiental dos rejeitos oriundos desse modelo de desenvolvimento atingiram um nível insustentável.
A terceira constatação é a de que a matriz energética atual é totalmente inviável a prazo médio. Não quero repetir aquilo que já é lugar-comum: a humanidade não dá a prioridade necessária aos efeitos da emissão de CO2 e suas consequências, subprodutos da matriz energética baseada em combustíveis fósseis. As consequências são mudanças climáticas, destruição da flora e da fauna.
Energia é básica para qualquer desenvolvimento, seja quantitativo ou qualitativo. E nessa mesma mudança da matriz energética é que está a janela da oportunidade de um novo ciclo de expansão econômica, que representará a estabilização climática do planeta. O Brasil, mais do que qualquer outro país do mundo, poderá ser o grande beneficiário da demanda por energia limpa.
Em quarto lugar, temos a necessidade de qualificar o agente perverso que impacta o meio ambiente e que corrói o tecido social de grande parte dos países, a pobreza. Conceitualmente, pobreza significa inviabilidade de superar níveis mínimos de indicadores necessários para a vida: alimentação, saúde, habitação, liberdade, educação e identidade própria. De outro lado, riqueza se expressa no modelo atual de excesso de consumo, falta de participação na problemática social e política, perda da identidade básica e alienação da cultura e dos objetivos comunitários e nacionais.
Conclusão: pobreza e riqueza são duas faces de um mesmo modelo, que atingiu o seu paroxismo não apenas nos índices de pobreza, mas na inutilidade e na inviabilidade do uso da riqueza através do aumento de consumo.


A importância da riqueza de um país está na sua utilização para criar condições de vida para a sua população


Vejamos agora a nossa visão, como seres que procuramos, antes de tudo, a ética dos modelos econômicos, sociais e políticos, centrada na raiz do problema que é, em última análise, ambiental.
A primeira condição necessária para um novo ciclo de desenvolvimento é o retorno da respeitabilidade da moeda, que deverá ser ancorada em recursos naturais ou numa cesta de itens que representem a economia real. Quando foi abolida a paridade ouro-dólar, todas as relações de valor se tornaram virtuais, assim como todos os valores de referência macroeconômica.
A segunda proposição é a mudança de projeto econômico básico de um modelo quantitativo para um qualitativo. A importância da riqueza de um país está na sua utilização para criar condições de vida para a sua população. Quase todas as doutrinas e ideologias propugnam por isso, mas praticamente nenhuma a alcançou. A inviabilidade de um modelo de crescimento baseado em consumo não convive com os princípios básicos de liberdade, igualdade e fraternidade.
Muito se tem falado na necessidade de uma nova reunião mundial, em que seria redesenhado o modelo futuro de desenvolvimento e os problemas oriundos da globalização. Esperamos que esse novo modelo seja voltado para o qualitativo, e não para o quantitativo. Esperamos que esse modelo leve em consideração os limites dos recursos naturais e a necessidade de transferirmos aos nossos descendentes o mesmo estoque de recursos que recebemos de nossos antepassados.
Esperamos que sejam encontrados recursos que permitam a troca das atuais prioridades nos orçamentos, públicos e privados, por aquelas que enfatizem os investimentos sociais e economicamente válidos. Esperamos que o unilateralismo das nações mais ricas se transforme em visão de projetos globais que justifiquem as doutrinas de globalização desses mesmos países.
Caso esses propósitos se tornem um modelo de projeto para o futuro, esse modelo poderá, então, ser chamado de "desenvolvimento sustentável".


Israel Klabin, 74, engenheiro, é presidente da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável e do conselho de administração das Indústrias Klabin. Foi prefeito do Rio de Janeiro de 1979 a 1983.



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