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CARLOS HEITOR CONY
Os lenços do Vilaça
RIO DE JANEIRO - Não gosto da palavra "jejuno", mas me declaro jejuno
em matéria de direito penal ou de
qualquer outro tipo de direito. Daí
que fiquei assombrado quando,
acompanhando como jornalista um
julgamento no Tribunal do Júri, ouvi
pela primeira vez o Evandro Lins e
Silva falar em "vitimologia". Pensei
que fosse uma bolação genial do meu
bom amigo, mas ele mais tarde me
explicaria que era toda uma doutrina sobre as motivações e circunstâncias de um crime.
Numa palavra: a vítima é que preparava, que provocava, que dava
condições objetivas para o crime que
alguém praticaria contra ela. Evidente que não seria a única responsável pelo crime, mas seria cúmplice
principal do ato criminoso.
Lembro a lição do querido mestre a
propósito dos lenços que o ministro
Marcos Vinicius Vilaça usa com provocante frequência sempre que aparece nos chás da Academia. É assombrosa a coleção que ele tem, tudo de
fino trato, e eu, que nunca usei lenço
naquele bolsinho inútil dos paletós,
fico pasmo diante da variedade e do
bom gosto de seus lenços.
Já lhe invejei um chapéu de panamá, tanto e com tal obstinação que
ele se chateou e me mandou o chapéu
adequadamente embalado. Também
não uso chapéu, mas o tenho em lugar de honra em meu escritório, como um troféu de batalha, um legado
de família.
Também já recebi dele dois lenços,
um francês, outro italiano, coisas finíssimas que me impedem de usá-los
para as coisas que me solicitam um
lenço, como assoar o nariz ou enxugar uma lágrima.
Pensei que o Vilaça tinha aprendido a lição, evitando usar seus magníficos lenços pelo menos quando vai
tomar chá com a gente. Mas ele insiste. É um exemplo persistente da tese
que o Evandro Lins e Silva defendia
no Tribunal do Júri: a vítima é que
arma as condições, o modo e o tempo
do crime.
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