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São Paulo, quinta-feira, 21 de agosto de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Os lenços do Vilaça

RIO DE JANEIRO - Não gosto da palavra "jejuno", mas me declaro jejuno em matéria de direito penal ou de qualquer outro tipo de direito. Daí que fiquei assombrado quando, acompanhando como jornalista um julgamento no Tribunal do Júri, ouvi pela primeira vez o Evandro Lins e Silva falar em "vitimologia". Pensei que fosse uma bolação genial do meu bom amigo, mas ele mais tarde me explicaria que era toda uma doutrina sobre as motivações e circunstâncias de um crime.
Numa palavra: a vítima é que preparava, que provocava, que dava condições objetivas para o crime que alguém praticaria contra ela. Evidente que não seria a única responsável pelo crime, mas seria cúmplice principal do ato criminoso.
Lembro a lição do querido mestre a propósito dos lenços que o ministro Marcos Vinicius Vilaça usa com provocante frequência sempre que aparece nos chás da Academia. É assombrosa a coleção que ele tem, tudo de fino trato, e eu, que nunca usei lenço naquele bolsinho inútil dos paletós, fico pasmo diante da variedade e do bom gosto de seus lenços.
Já lhe invejei um chapéu de panamá, tanto e com tal obstinação que ele se chateou e me mandou o chapéu adequadamente embalado. Também não uso chapéu, mas o tenho em lugar de honra em meu escritório, como um troféu de batalha, um legado de família.
Também já recebi dele dois lenços, um francês, outro italiano, coisas finíssimas que me impedem de usá-los para as coisas que me solicitam um lenço, como assoar o nariz ou enxugar uma lágrima.
Pensei que o Vilaça tinha aprendido a lição, evitando usar seus magníficos lenços pelo menos quando vai tomar chá com a gente. Mas ele insiste. É um exemplo persistente da tese que o Evandro Lins e Silva defendia no Tribunal do Júri: a vítima é que arma as condições, o modo e o tempo do crime.


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