São Paulo, quinta-feira, 21 de agosto de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES A democracia, a liberdade e as notícias
JOÃO PAULO CUNHA
Nesta última década, a cada nova eleição de presidente da Câmara, o número de CNEs crescia à ordem de 10%. Elegi-me em fevereiro deste ano e mantive meu compromisso: estanquei esse crescimento. Até o dia 14 de agosto, quando redigi este artigo, havia 1.954 funcionários ocupando cargos de natureza especial na Câmara. No dia 8/8, quando a Folha encerrou a apuração da primeira reportagem sobre o tema, eram 1.965. A flutuação, nove funcionários a menos no intervalo de seis dias, deve-se ao "turn over" natural em empresas ou repartições e revela como são frágeis os raciocínios absolutos acerca de realidades que requerem sofisticação analítica. A Câmara tem 513 deputados, 3.474 funcionários efetivos -ou seja, concursados- e 1.954 funcionários contratados em CNEs. Desde 1982 o número de funcionários efetivos da Casa varia no máximo 5% para cima ou para baixo. Há uma demanda por novos servidores e a Câmara fará concursos para atendê-la. Os funcionários contratados em CNEs ajudam-nos a cumprir as funções parlamentares e são essenciais na execução de missões públicas por delegação; somos os representantes da sociedade brasileira e estamos encarregados de produzir leis e decisões que aprimorem o arcabouço jurídico e administrativo do país. Esse é o caminho que porá fim às desigualdades que nos assolam. Deputado federal trabalha muito. A celeridade com que apreciamos e estamos votando as reformas que a sociedade reclama são prova disso. Há, hoje, 18.132 proposições tramitando na Câmara. Todas têm de ser lidas, debatidas e precisam de parecer técnico. Para isso, é necessário pessoal qualificado e, muitas vezes, politicamente afinado com os deputados. Até o fim do ano, irão se somar a essas proposições as dezenas de milhares de emendas ao Orçamento da União. Entre fevereiro e julho deste ano, foram realizadas 550 reuniões nas comissões permanentes e temporárias da Câmara, por onde passaram 1.200 depoentes. O plenário fez 125 sessões deliberativas e apreciou 281 matérias -entre elas a reforma da Previdência, a regulamentação do art. 192 da Constituição e um conjunto de leis que melhora o sistema público de segurança. É justo dizer que deputado trabalha pouco? É correto afirmar, como a Folha fez nas entrelinhas de seus textos, que os Cargos de Natureza Especial servem à execução rasteira do "franciscanismo" na política? O Legislativo federal é a mais transparente instituição brasileira. No site da Câmara (www.camara.gov.br), qualquer cidadão pode consultar em tempo real o trabalho dos deputados. É possível saber, diariamente, quem apresentou que proposta e em qual comissão. Mede-se o desempenho parlamentar de cada deputado. Tem-se acesso à rotina administrativa e legislativa da Casa e a qualquer discurso pronunciado. Consultam-se todos os contratos da Câmara. A TV Câmara, transmitida via cabo ou parabólicas, transmite as sessões e reuniões ao vivo e promove debates em que todos os pontos de vista são democraticamente expostos e analisados. Por que acusar a Câmara e os deputados de falta de transparência e obscurantismo? Assacar contra a legitimidade da atividade parlamentar, usando para isso distorções de informações públicas e análises parciais da legislação que rege o funcionamento do Parlamento, não serve à democracia. Obscurecer e relativizar, cotidianamente, a produtividade e o desempenho do Legislativo não é um exemplo de comportamento midiático. Parcela da mídia brasileira entabula um debate pouco sereno acerca dos avanços institucionais que obtivemos nas duas últimas décadas e sobre quais os mecanismos apropriados para o desempenho legítimo da atividade política. Quero entrar nesse debate, mas a melhor maneira de o fazer não é curvando a instituição que represento a agendas e a dilemas que não são nossos, que não significam a modernidade e que turvam a qualidade da discussão. O debate sobre os CNEs não é uma agenda da Câmara, não é pauta da sociedade, não é um dilema institucional nem pede soluções de continuidade. Temos de superar esse tema, sob o risco de, daqui a cem anos, um cronista usar os textos da Folha sobre os Cargos de Natureza Especial da Câmara para injustamente decretar: "Nada mudou". João Paulo Cunha, 45, deputado federal pelo PT-SP, é o presidente da Câmara dos Deputados. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Alberto Goldman: O Brasil mudou o PT Índice |
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