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São Paulo, quinta-feira, 21 de agosto de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil mudou o PT

ALBERTO GOLDMAN

Na campanha eleitoral passada, o PT elegeu as "mudanças" seu principal tema. Pouco importava qualquer análise das limitações impostas pela realidade objetiva, pela correlação de forças na sociedade ou pelo nível de consciência política de nosso povo. Bastava, segundo seus líderes, a vontade política de um novo presidente e de seu partido para que as coisas mudassem com rapidez. Por isso o poder como único alvo e as bravatas como instrumento de convencimento.
Vendiam a idéia de que tudo o que foi feito no país nos últimos anos estava errado. Segundo eles, os acordos internacionais precisavam ser revistos, os juros internos deveriam cair de imediato, milhões de empregos poderiam ser criados imediatamente, a distribuição de renda injusta seria modificada, os vencimentos dos servidores públicos deveriam recuperar o seu poder aquisitivo, a miséria seria erradicada, a terra seria redistribuída -enfim, o paraíso estava próximo. A esperança tomou conta dos eleitores que acreditaram que Lula e o PT mudariam o Brasil.


O que era verdade e possível para uma grande parte da militância não era para um núcleo central do partido


Todas as lideranças petistas acreditavam no que diziam? Certamente que não! O que era verdade e possível para uma grande parte da militância, e do eleitorado, não era para um núcleo central do partido, responsável pela estratégia eleitoral, plenamente consciente das dificuldades que teria pela frente. A "Carta ao povo brasileiro" mostrou o realismo do grupo e a disposição de abrir mão do discurso da "ética na política" e de conceitos históricos do partido com o único objetivo de atingir o poder. O que fazer, depois, ver-se-ia...
Lula venceu. O mesmo núcleo central do PT, agora no governo, tinha consciência de que era preciso, para manter a governabilidade, evitar as bruscas mudanças que vendeu ao seu eleitor. Era preciso, ao contrário, manter, se não aprofundar, as políticas do governo anterior, ainda que em algumas delas com a mudança de nomes e com um leve toque de classe (Fome Zero...), inclusive realizando as reformas constitucionais inconclusas no governo anterior justamente pela obstrução do próprio partido e de seus braços corporativos.
E isso foi levado adiante a ferro e fogo. O Brasil não suportaria que bravatas eleitorais fossem transformadas em ações de governo. Era preciso pagar o preço de confessar o estelionato eleitoral, enfrentar o próprio partido e convencer a opinião pública. As cenas vistas na votação da emenda da Previdência, no plenário da Câmara, com deputados da base do governo, petistas, comunistas e os aliados mais diversos constrangidos, deprimidos ou chorosos, votando por mudanças que sempre execraram, mostram que o Brasil real está mudando o PT. Felizmente!
Após esses episódios, os antigos partidos de oposição não serão os mesmos. Destroem-se dogmas e preconceitos. Vence, por mais paradoxal que pareça, a partir da ascensão ao governo de forças políticas que olhavam o país pelo retrovisor, o Brasil moderno, capaz de construir uma nação mais justa.
Mas somente isso não basta para que o país retome o crescimento sustentável e garanta uma melhor distribuição de renda e de riqueza. O governo ainda é um aparelho partidário; o fisiologismo é dominante e a incompetência é paralisante. Porém um passo fundamental foi dado: a partir de agora, a história política do Brasil não será a mesma.

Alberto Goldman, 65, deputado federal pelo PSDB-SP, é vice-presidente da Executiva Nacional do partido. Foi ministro dos Transportes (governo Itamar Franco).


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