São Paulo, domingo, 21 de agosto de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

O fim da era da maldição do petróleo

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE

Até recentemente , a sociedade acreditava no mito da inesgotabilidade do petróleo e do gás natural. As empresas do setor e governos, por interesses financeiros e políticos, mantinham cerrada campanha publicitária de desinformação, apesar de inúmeros alertas de especialistas independentes e alguns poucos comentaristas bem informados. Mas eis que, subitamente, se observa uma reversão nas informações provenientes das empresas de petróleo. Talvez apenas porque não queiram ser acusadas de falácia, de engodo.
A Exxon-Mobil e a Chevron, reconhecendo que o petróleo atingirá, fora da Opep, o pico de produção em cinco anos, solicitam ajuda da sociedade para enfrentar "uma nova era da energia" (Dinheiro, 6/8). Quase simultaneamente, a Agência Internacional de Energia publica um relatório em que é analisado o suprimento de combustíveis líquidos até 2030, quando a demanda terá aumentado em 60% sobre a atual.
Para que essa demanda seja atendida, será necessário aproveitar o óleo pesado da Venezuela e extrair do xisto americano e das areias betuminosas do Canadá o óleo possível, além de usar técnicas de "extração ampliada de petróleo" e de "extração induzida de petróleo", ambas de potencial ainda controvertido, embora já em aplicação. Essas inovações requereriam desenvolvimento de novas tecnologias e muito investimento, reconhece o relatório mencionado.
Além dessas opções, para satisfazer a demanda em 2030, seria necessário recorrer ainda a processos de liquefação do carvão e à biomassa, além de um aumento percentual significativo da oferta pelos países da Opep, cujas reservas oficiais são bastante extensas. Todavia é bom lembrar que, em 1988, após o acordo que tornava as respectivas quotas de exportação proporcionais às reservas de cada país, os países membros ou dobraram ou triplicaram as respectivas estimativas. Ou seja, as reservas de petróleo da Opep, sem um metro de perfuração exploratória, dobraram em um ano. Especialistas independentes afirmam que o pico de produção do petróleo da Opep também ocorrerá em 2010.


A impressão de que a humanidade disporia de um leque de opções para fornecimento de combustíveis é enganosa

Do gás natural não se pode esperar muito, pois, certamente, antes de 2030 sua produção já estará em declínio. A produção de sintéticos (gasolina, diesel etc.) a partir do carvão é possível por intermédio de tecnologias já existentes. Entretanto somente seria aceitável em escala mundial, ou mesmo limitada, com a adição de seqüestro de carbono, para o que as tecnologias ainda estão em desenvolvimento. E é bom lembrar que, como acontece com os isótopos radioativos do resíduo nuclear de longa vida, o tempo de retenção do CO2 também deve ser de cerca de 10 mil anos.
Por outro lado, embora custos de produção sejam economicamente atraentes e uma série de tecnologias já maduras estejam disponíveis, a opção por biocombustíveis encontra um obstáculo irremovível: a baixa eficiência da fotossíntese, o que implica uma extensão de terras agricultáveis inexistente.
Tanto para a cana-de-açúcar como para o eucalipto, as culturas para as quais maior eficiência foi alcançada, seriam necessários entre 12 milhões e 15 milhões de km2 em terra tropical. Ora, é duas vezes a área cultivada atualmente no planeta e quase o dobro da superfície do Brasil. Não obstante, no Brasil, para atender a demanda por combustíveis líquidos até 2030 com biocombustíveis, as terras férteis disponíveis em território nacional seriam mais que suficientes, sem ocupação das áreas de florestas e das usadas para cultivo de alimentos. Mas somos exceção.
Não deveríamos, entretanto, esperar muito de outras formas renováveis de energia para a produção de combustíveis líquidos primários ou secundários. A hidroeletricidade, que hoje responde por pouco mais de 2% da demanda global de energia, dificilmente aumentará sua participação percentual no futuro. Também é pouco provável que o conjunto das contribuições da energia geotérmica, da eólica e daquelas derivadas de marés e outros movimentos de águas oceânicas venham a se igualar à participação das hidroelétricas.
Também é pouco provável que a captação direta de energia solar venha a ter uma participação elevada. Simpatizantes dessa opção costumam mencionar uma eficiência entre 10% e 15% para a única opção economicamente competitiva, o silício cristalino. Todavia o valor é para a eficiência de pico. Com um fator de utilização de 0,25 e outras perdas, a eficiência final cai para algo entre 1% e 2%, dependendo da localização, o que não é muito maior que a eficiência obtida com biomassa. A vantagem maior da conversão fotovoltaica é que não ocupa terras úteis para agricultura. Além do mais, para a atual tecnologia de produção do silício, a energia dispendida na construção da célula só é recuperada após um período de três a seis anos, dependendo da localização.
Em resumo, a impressão de que a humanidade disporia de um leque de opções para fornecimento de combustíveis é enganosa. O petróleo está se esgotando e o uso de outros fósseis será dispendioso e problemático. E, pior ainda, a contribuição de renováveis será necessariamente modesta. É bom que comecemos a recuperar as bicicletas enfiadas nos sótãos e nos porões.

Rogério Cezar de Cerqueira Leite, 74, físico, é professor emérito da Unicamp e membro do Conselho Editorial da Folha.

Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Boaventura de Sousa Santos: Pós-lulismo progressista

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.