São Paulo, domingo, 21 de agosto de 2005 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O fim da era da maldição do petróleo
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE
Do gás natural não se pode esperar muito, pois, certamente, antes de 2030 sua produção já estará em declínio. A produção de sintéticos (gasolina, diesel etc.) a partir do carvão é possível por intermédio de tecnologias já existentes. Entretanto somente seria aceitável em escala mundial, ou mesmo limitada, com a adição de seqüestro de carbono, para o que as tecnologias ainda estão em desenvolvimento. E é bom lembrar que, como acontece com os isótopos radioativos do resíduo nuclear de longa vida, o tempo de retenção do CO2 também deve ser de cerca de 10 mil anos. Por outro lado, embora custos de produção sejam economicamente atraentes e uma série de tecnologias já maduras estejam disponíveis, a opção por biocombustíveis encontra um obstáculo irremovível: a baixa eficiência da fotossíntese, o que implica uma extensão de terras agricultáveis inexistente. Tanto para a cana-de-açúcar como para o eucalipto, as culturas para as quais maior eficiência foi alcançada, seriam necessários entre 12 milhões e 15 milhões de km2 em terra tropical. Ora, é duas vezes a área cultivada atualmente no planeta e quase o dobro da superfície do Brasil. Não obstante, no Brasil, para atender a demanda por combustíveis líquidos até 2030 com biocombustíveis, as terras férteis disponíveis em território nacional seriam mais que suficientes, sem ocupação das áreas de florestas e das usadas para cultivo de alimentos. Mas somos exceção. Não deveríamos, entretanto, esperar muito de outras formas renováveis de energia para a produção de combustíveis líquidos primários ou secundários. A hidroeletricidade, que hoje responde por pouco mais de 2% da demanda global de energia, dificilmente aumentará sua participação percentual no futuro. Também é pouco provável que o conjunto das contribuições da energia geotérmica, da eólica e daquelas derivadas de marés e outros movimentos de águas oceânicas venham a se igualar à participação das hidroelétricas. Também é pouco provável que a captação direta de energia solar venha a ter uma participação elevada. Simpatizantes dessa opção costumam mencionar uma eficiência entre 10% e 15% para a única opção economicamente competitiva, o silício cristalino. Todavia o valor é para a eficiência de pico. Com um fator de utilização de 0,25 e outras perdas, a eficiência final cai para algo entre 1% e 2%, dependendo da localização, o que não é muito maior que a eficiência obtida com biomassa. A vantagem maior da conversão fotovoltaica é que não ocupa terras úteis para agricultura. Além do mais, para a atual tecnologia de produção do silício, a energia dispendida na construção da célula só é recuperada após um período de três a seis anos, dependendo da localização. Em resumo, a impressão de que a humanidade disporia de um leque de opções para fornecimento de combustíveis é enganosa. O petróleo está se esgotando e o uso de outros fósseis será dispendioso e problemático. E, pior ainda, a contribuição de renováveis será necessariamente modesta. É bom que comecemos a recuperar as bicicletas enfiadas nos sótãos e nos porões. Rogério Cezar de Cerqueira Leite, 74, físico, é professor emérito da Unicamp e membro do Conselho Editorial da Folha. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Boaventura de Sousa Santos: Pós-lulismo progressista Índice |
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