São Paulo, domingo, 21 de agosto de 2005 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Pós-lulismo progressista
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS
O seu nome internacional emergiu com a experiência do orçamento participativo em Porto Alegre, considerado pela ONU como uma das grandes inovações urbanas do final do século 20. Ninguém melhor que ele para conduzir o processo de articulação entre democracia participativa e democracia representativa num PT refundado. Com a entrada no governo Lula, ganhou a dimensão nacional que há muito lhe era devida. Tarso Genro e Celso Amorim foram os dois melhores ministros de Lula, aqueles que com mais êxito brandiram o petismo contra o lulismo. Considero a reforma universitária levada a cabo por Tarso Genro uma das mais progressistas do mundo: depois de anos de abandono exigido pelo neoliberalismo, retoma-se a prioridade da universidade pública na construção de um projeto de país; vincula-se a escola pública de nível médio ao ensino público superior e impõem-se marcos regulatórios claros para as instituições privadas de ensino; instituem-se novos padrões de financiamento para a universidade e constrói-se concretamente a autonomia; assume-se plenamente a necessidade de bolsas para alunos de baixa renda, começando com as bolsas do Prouni, seguidas do sistema de quotas para afrodescendentes e índios; criam-se novas exigências de qualidade, ao estabelecer mínimos de doutores e mestres entre os docentes; põe-se um travão à globalização neoliberal da universidade ao estabelecer um limite de 30% à participação do capital estrangeiro nas empresas de educação superior. Nenhuma reforma assentou em um diálogo tão profundo com a sociedade civil como essa, até a terceira versão, já pronta para tramitar no Congresso Nacional. Um partido que gerou políticos da estatura de Tarso merece olhar o futuro com confiança. Mas tal só ocorrerá se o PT controlar a pulsão fraccionista de molde a fazer dela gérmen da diversidade na união, e não fator de fragmentação em lutas fratricidas pelo poder. Há muitos anos, em Brasília, em conversa com o presidente Fernando Henrique, que respeito apesar das muitas divergências políticas que nos separam, eu tentava contrariar o slogan, então (e hoje?) muito atual, "a esquerda é burra", invocando a alta qualidade política de Tarso. O comentário de FHC, para o qual não pediu confidencialidade, espantou-me: "Desse eu teria medo, mas descanse, Boaventura, o PT nunca o indicará". Para o bem do futuro progressista da sociedade brasileira, desejo ardentemente que ele tenha se enganado. Boaventura de Sousa Santos, 64, sociólogo, é professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal). Autor de, entre outros livros, "A Universidade no Séc. XXI: Para uma Reforma Democrática e Emancipatória da Universidade" (Editora Cortez, 2004). Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Rogério Cezar de Cerqueira Leite: O fim da era da maldição do petróleo Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |