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Educação afirmativa
Para superar a polarização sobre cotas raciais, ensino precisa de plano audacioso e com metas bem definidas
HÁ UMA SEMANA, neste
espaço, a Folha
abrandou sua posição
contrária a todas as
formas de ação afirmativa na
universidade. Passou a defender
que o debate público vá além da
polarização sobre cotas raciais,
um beco sem saída, para concentrar-se em propostas inovadoras
de inclusão social e aumento da
diversidade no ensino superior.
Ao facilitar o ingresso de alunos de menor renda, as instituições estarão automaticamente
aumentando o contingente de
negros, pardos e índios nas suas
fileiras. E isso sem recorrer a critérios sempre problemáticos de
classificação racial, objeto de insuperável repulsa.
Mais que isso, o editorial
"Avanço afirmativo" denunciava
o voluntarismo de uma legislação federal para disciplinar em
minúcias o que deve ser feito em
cada faculdade do país. É preciso
respeitar a autonomia universitária e as peculiaridades regionais. Uma lei poderia no máximo
ditar o objetivo programático de
que toda instituição crie algum
sistema de inclusão.
Não basta, evidentemente,
ajudar estudantes talentosos,
porém pobres, a obter uma vaga
universitária. É preciso dar-lhes
condições para que concluam os
estudos. Idéias e propostas não
faltam: mais cursos em horário
noturno ou compatível com a
manutenção de um emprego; reforço acadêmico para alunos
com formação deficiente; bolsas
que cubram os custos de transporte, alimentação e material.
Qualquer que seja o programa
de ação afirmativa social que
uma universidade decida criar,
ele não precisa -e talvez não deva- durar para sempre. As formas de incentivo à inclusão que
forem introduzidas poderiam
ser pouco a pouco restringidas,
de modo a se extinguirem no
prazo de 25 ou 30 anos, o horizonte de uma geração. Ou, então,
até que a composição do corpo
discente se aproxime do perfil
socioeconômico local.
Tais ponderações não têm o
condão, obviamente, de fazer desaparecer as formas insidiosas e
informais que o racismo assume
no Brasil. Esta Folha, mesmo repelindo o critério racial em favor
do socioeconômico, reconhece e
deplora a sobrevivência da discriminação racial. Defende, por
isso, que se dê conseqüência ao
argumento tantas vezes brandido -contra as cotas- de que a
verdadeira e definitiva solução
do problema só virá com o acesso universal a um ensino fundamental e médio de qualidade.
Se a tão preconizada e nunca
concretizada revolução na educação não se transformar num
objetivo nacional, será legitimada a conclusão de que os argumentos universalistas contra as
cotas não passavam de vacuidades. Esse desfecho lamentável só
será evitado por meio de um plano com metas quantitativas e
qualitativas definidas: número
mínimo, qualificação e remuneração digna de professores; instalações básicas para todas as escolas, incluindo acesso a tecnologias digitais; redução de taxas
de evasão e repetência e aumento na média de horas-aula; melhor desempenho em testes nacionais e internacionais.
Um plano, enfim, com o qual
se comprometam partidos, governos e cidadãos. Menos que isso será, de novo, pouco demais.
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