São Paulo, segunda-feira, 21 de agosto de 2006

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Educação afirmativa

Para superar a polarização sobre cotas raciais, ensino precisa de plano audacioso e com metas bem definidas

HÁ UMA SEMANA, neste espaço, a Folha abrandou sua posição contrária a todas as formas de ação afirmativa na universidade. Passou a defender que o debate público vá além da polarização sobre cotas raciais, um beco sem saída, para concentrar-se em propostas inovadoras de inclusão social e aumento da diversidade no ensino superior.
Ao facilitar o ingresso de alunos de menor renda, as instituições estarão automaticamente aumentando o contingente de negros, pardos e índios nas suas fileiras. E isso sem recorrer a critérios sempre problemáticos de classificação racial, objeto de insuperável repulsa.
Mais que isso, o editorial "Avanço afirmativo" denunciava o voluntarismo de uma legislação federal para disciplinar em minúcias o que deve ser feito em cada faculdade do país. É preciso respeitar a autonomia universitária e as peculiaridades regionais. Uma lei poderia no máximo ditar o objetivo programático de que toda instituição crie algum sistema de inclusão.
Não basta, evidentemente, ajudar estudantes talentosos, porém pobres, a obter uma vaga universitária. É preciso dar-lhes condições para que concluam os estudos. Idéias e propostas não faltam: mais cursos em horário noturno ou compatível com a manutenção de um emprego; reforço acadêmico para alunos com formação deficiente; bolsas que cubram os custos de transporte, alimentação e material.
Qualquer que seja o programa de ação afirmativa social que uma universidade decida criar, ele não precisa -e talvez não deva- durar para sempre. As formas de incentivo à inclusão que forem introduzidas poderiam ser pouco a pouco restringidas, de modo a se extinguirem no prazo de 25 ou 30 anos, o horizonte de uma geração. Ou, então, até que a composição do corpo discente se aproxime do perfil socioeconômico local.
Tais ponderações não têm o condão, obviamente, de fazer desaparecer as formas insidiosas e informais que o racismo assume no Brasil. Esta Folha, mesmo repelindo o critério racial em favor do socioeconômico, reconhece e deplora a sobrevivência da discriminação racial. Defende, por isso, que se dê conseqüência ao argumento tantas vezes brandido -contra as cotas- de que a verdadeira e definitiva solução do problema só virá com o acesso universal a um ensino fundamental e médio de qualidade.
Se a tão preconizada e nunca concretizada revolução na educação não se transformar num objetivo nacional, será legitimada a conclusão de que os argumentos universalistas contra as cotas não passavam de vacuidades. Esse desfecho lamentável só será evitado por meio de um plano com metas quantitativas e qualitativas definidas: número mínimo, qualificação e remuneração digna de professores; instalações básicas para todas as escolas, incluindo acesso a tecnologias digitais; redução de taxas de evasão e repetência e aumento na média de horas-aula; melhor desempenho em testes nacionais e internacionais.
Um plano, enfim, com o qual se comprometam partidos, governos e cidadãos. Menos que isso será, de novo, pouco demais.


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