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O BRASIL PÓS-CANCÚN
Ao decidir subir ao ringue dos
grandes embates comerciais da
globalização, arregimentando um
grupo de duas dezenas de países em
desenvolvimento na última reunião
da OMC (Organização Mundial do
Comércio), o Brasil assumiu uma
posição de risco, cujas consequências deverão exigir redobrada persistência e habilidade de sua diplomacia. As repercussões do encontro de
Cancún não deixam dúvidas quanto
à irritação provocada pelo Brasil em
diversos países ricos, a começar pelo
mais poderoso deles, os Estados
Unidos, cujos representantes não
têm hesitado em atribuir ao país a
culpa pelo fracasso da reunião.
Não há dúvida de que a conta será
cobrada. Não é improvável que as
pressões, por ora verbais, comecem
a se materializar em novembro, na
conferência da Alca (Área de Livre
Comércio das Américas), cujo cronograma estabelece o início do funcionamento do bloco em 2006. Não
são reduzidas as chances de novo
impasse em torno das propostas sobre redução de tarifas e subsídios
agrícolas, justamente um dos pontos
controversos e inconclusos das negociações travadas no México.
Em círculos diplomáticos e empresariais norte-americanos, a posição
brasileira tem sido avaliada como
uma espécie de "retorno aos anos
70". Trata-se de uma referência a posições terceiro-mundistas que prosperavam à época, quando o país fazia
parte do chamado bloco dos "não-alinhados", formado por nações
subdesenvolvidas que tentavam
manter aparente equidistância entre
os EUA e a extinta União Soviética.
A idéia da volta ao passado pode ser
tentadora para quem deseja fazer
crer que a política externa do governo
Luiz Inácio Lula da Silva pretende
reavivar mitos ideológicos anacrônicos. O mundo de hoje, no entanto, é
bastante diverso daquele de 30 anos
atrás, e o governo brasileiro tem dado mostras até excessivas de pragmatismo. Embora a política obviamente faça parte das discussões sobre economia global, não há muitos
princípios ideológicos nas discussões da OMC, mas disputas comerciais identificáveis e quantificáveis.
Não se deve esquecer de que importantes esforços diplomáticos para contrastar posições defendidas
por países ricos foram movidos também pela gestão anterior. Foi do período do presidente Fernando Henrique Cardoso a conquista do reconhecimento internacional de que é
legítimo quebrar patentes de medicamentos em caso de emergências
sanitárias, como a epidemia de Aids.
A nova atitude com que o Brasil vai
se apresentando nos fóruns internacionais corresponde à realidade de
um país emergente de grandes dimensões, com uma economia nada
desprezível e evidente vocação de liderança regional. Não são poucas as
responsabilidades que isso acarreta.
O governo e a diplomacia brasileira,
no entanto, têm dado até aqui provas
de maturidade e de inteligência. É de
esperar que as novas negociações
tanto na Alca quanto na OMC, embora duras e difíceis, possam transcorrer dentro dos limites aceitáveis
das disputas internacionais.
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