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São Paulo, domingo, 21 de setembro de 2003

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O BRASIL PÓS-CANCÚN

Ao decidir subir ao ringue dos grandes embates comerciais da globalização, arregimentando um grupo de duas dezenas de países em desenvolvimento na última reunião da OMC (Organização Mundial do Comércio), o Brasil assumiu uma posição de risco, cujas consequências deverão exigir redobrada persistência e habilidade de sua diplomacia. As repercussões do encontro de Cancún não deixam dúvidas quanto à irritação provocada pelo Brasil em diversos países ricos, a começar pelo mais poderoso deles, os Estados Unidos, cujos representantes não têm hesitado em atribuir ao país a culpa pelo fracasso da reunião.
Não há dúvida de que a conta será cobrada. Não é improvável que as pressões, por ora verbais, comecem a se materializar em novembro, na conferência da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), cujo cronograma estabelece o início do funcionamento do bloco em 2006. Não são reduzidas as chances de novo impasse em torno das propostas sobre redução de tarifas e subsídios agrícolas, justamente um dos pontos controversos e inconclusos das negociações travadas no México.
Em círculos diplomáticos e empresariais norte-americanos, a posição brasileira tem sido avaliada como uma espécie de "retorno aos anos 70". Trata-se de uma referência a posições terceiro-mundistas que prosperavam à época, quando o país fazia parte do chamado bloco dos "não-alinhados", formado por nações subdesenvolvidas que tentavam manter aparente equidistância entre os EUA e a extinta União Soviética.
A idéia da volta ao passado pode ser tentadora para quem deseja fazer crer que a política externa do governo Luiz Inácio Lula da Silva pretende reavivar mitos ideológicos anacrônicos. O mundo de hoje, no entanto, é bastante diverso daquele de 30 anos atrás, e o governo brasileiro tem dado mostras até excessivas de pragmatismo. Embora a política obviamente faça parte das discussões sobre economia global, não há muitos princípios ideológicos nas discussões da OMC, mas disputas comerciais identificáveis e quantificáveis.
Não se deve esquecer de que importantes esforços diplomáticos para contrastar posições defendidas por países ricos foram movidos também pela gestão anterior. Foi do período do presidente Fernando Henrique Cardoso a conquista do reconhecimento internacional de que é legítimo quebrar patentes de medicamentos em caso de emergências sanitárias, como a epidemia de Aids.
A nova atitude com que o Brasil vai se apresentando nos fóruns internacionais corresponde à realidade de um país emergente de grandes dimensões, com uma economia nada desprezível e evidente vocação de liderança regional. Não são poucas as responsabilidades que isso acarreta. O governo e a diplomacia brasileira, no entanto, têm dado até aqui provas de maturidade e de inteligência. É de esperar que as novas negociações tanto na Alca quanto na OMC, embora duras e difíceis, possam transcorrer dentro dos limites aceitáveis das disputas internacionais.



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