São Paulo, quinta-feira, 21 de setembro de 2006

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DEMÉTRIO MAGNOLI

Aquele abraço

HÁ 105 SEMANAS, saiu minha primeira coluna nesta tribuna de opinião. Agora, conduzido por opções intelectuais e profissionais, escrevo o texto de despedida. Nestes dois anos, expressei-me com liberdade absoluta e, às vezes, critiquei posições editoriais do jornal. Jamais sofri pressões para amenizar essas críticas.
Isso é o normal, mas, nos tempos que correm, deve ficar registrado.
Acabo de conceder uma entrevista a uma estudante de jornalismo. Sua pergunta-síntese afirmava que a mídia expressa no espaço público os interesses privados dos "patrões da mídia". É a reprodução, quase literal, de um conceito difundido nos últimos anos por uma Marilena Chaui que esqueceu o que escrevia durante o governo FHC, quando fazia o elogio da imprensa.
O conceito converteu-se no fundamento de uma agenda política de "controle social da mídia". Numa entrevista melíflua, o jurista Fábio Comparato sugeriu que as ONGs sejam chamadas a exercer esse controle, pois "representam" os "interesses coletivos" de "determinada parcela da população". O sociólogo Wanderley Guilherme dos Santos, inventor da tese do "golpe branco das elites" contra Lula, é um espírito mais prático: ele propõe que o controle se faça pela "intervenção do Estado do ponto de vista do financiamento", com a finalidade de "garantir a competição". O episódio da compra frustrada do dossiê fajuto anti-Serra contém indícios de que o expediente já alçou vôo, nas asas do dinheiro sujo.
Intelectuais com grandes desígnios tendem a se aborrecer com a sofisticada trama de mediações da democracia, que existe para limitar o alcance dos impulsos caudilhistas, proteger os direitos das minorias e escrutinar os atos dos poderosos. É preciso muito pouco para que se tornem áulicos de chefes políticos carismáticos e ideólogos do salvacionismo. O fogo contra a mídia é um sinal característico da adaptação política e moral dos intelectuais à condição de escribas do poder.
A liberdade de imprensa não é a "liberdade da empresa", como asseveram os entusiastas das ditaduras de partido único e jornal único. Na democracia, os "patrões da mídia" são escravos da busca da credibilidade, à qual precisam sacrificar suas próprias opiniões e seus interesses políticos privados. Mas a democracia começa a fenecer quando o Estado se engaja no controle da mídia, pela via interposta de ONGs ou pelo financiamento público dos amigos do rei.
Arthur Miller, em 1961, disse que, "um bom jornal, eu suponho, é uma nação dialogando com ela mesma". Segundo o critério de Miller, a Folha é um bom jornal. Foi uma honra e um prazer participar do diálogo que ela provoca.


magnoli@ajato.com.br

DEMÉTRIO MAGNOLI
escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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