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DEMÉTRIO MAGNOLI
Aquele abraço
HÁ 105 SEMANAS, saiu minha
primeira coluna nesta tribuna de opinião. Agora,
conduzido por opções intelectuais
e profissionais, escrevo o texto de
despedida. Nestes dois anos, expressei-me com liberdade absoluta
e, às vezes, critiquei posições editoriais do jornal. Jamais sofri pressões para amenizar essas críticas.
Isso é o normal, mas, nos tempos
que correm, deve ficar registrado.
Acabo de conceder uma entrevista a uma estudante de jornalismo. Sua pergunta-síntese afirmava
que a mídia expressa no espaço público os interesses privados dos
"patrões da mídia". É a reprodução,
quase literal, de um conceito difundido nos últimos anos por uma Marilena Chaui que esqueceu o que
escrevia durante o governo FHC,
quando fazia o elogio da imprensa.
O conceito converteu-se no fundamento de uma agenda política de
"controle social da mídia". Numa
entrevista melíflua, o jurista Fábio
Comparato sugeriu que as ONGs
sejam chamadas a exercer esse
controle, pois "representam" os
"interesses coletivos" de "determinada parcela da população". O sociólogo Wanderley Guilherme dos
Santos, inventor da tese do "golpe
branco das elites" contra Lula, é
um espírito mais prático: ele propõe que o controle se faça pela "intervenção do Estado do ponto de
vista do financiamento", com a finalidade de "garantir a competição". O episódio da compra frustrada do dossiê fajuto anti-Serra contém indícios de que o expediente já
alçou vôo, nas asas do dinheiro
sujo.
Intelectuais com grandes desígnios tendem a se aborrecer com a
sofisticada trama de mediações da
democracia, que existe para limitar
o alcance dos impulsos caudilhistas, proteger os direitos das minorias e escrutinar os atos dos poderosos. É preciso muito pouco para
que se tornem áulicos de chefes políticos carismáticos e ideólogos do
salvacionismo. O fogo contra a mídia é um sinal característico da
adaptação política e moral dos intelectuais à condição de escribas
do poder.
A liberdade de imprensa não é a
"liberdade da empresa", como asseveram os entusiastas das ditaduras de partido único e jornal único.
Na democracia, os "patrões da mídia" são escravos da busca da credibilidade, à qual precisam sacrificar
suas próprias opiniões e seus interesses políticos privados. Mas a democracia começa a fenecer quando
o Estado se engaja no controle da
mídia, pela via interposta de ONGs
ou pelo financiamento público dos
amigos do rei.
Arthur Miller, em 1961, disse
que, "um bom jornal, eu suponho, é
uma nação dialogando com ela
mesma". Segundo o critério de Miller, a Folha é um bom jornal. Foi
uma honra e um prazer participar
do diálogo que ela provoca.
magnoli@ajato.com.br
DEMÉTRIO MAGNOLI escreve às quintas-feiras
nesta coluna.
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