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Editoriais
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Euforia e pessimismo
Boas ações de governo podem apenas mitigar efeitos das crises cíclicas do capitalismo, como a que ocorre nos EUA
OS ÚLTIMOS dias evidenciaram, de modo dramático, como o sistema financeiro é vital
numa economia capitalista.
A capacidade dos bancos de expandir o crédito lhes permite antecipar os gastos das empresas e
das famílias. Os lucros e os salários gerados nesse processo corroboram os projetos passados e
alimentam o otimismo sobre o
futuro. Os agentes se sentem
mais ricos, e os bancos reduzem
suas margens de segurança. Essa
espiral eufórica acaba por ampliar o endividamento de toda a
sociedade, com risco crescente.
O refluxo em geral começa
quando alguns devedores não
conseguem honrar seus compromissos. Os bancos reagem a essa
ameaça aumentando suas margens de segurança: tentam vender suas aplicações mais arriscadas à procura de papéis mais seguros, como títulos públicos. Se o
movimento ganha escala, com
várias instituições fazendo o
mesmo, ocorre uma contração
abrupta no crédito, que favorece
falências em diversos setores.
Esse comportamento cíclico
do crédito faz parte da lógica do
sistema capitalista moderno -e
tem sido demonstrado à exaustão pela história. Na tentativa de
mitigar seus efeitos destrutivos,
as autoridades introduziram e
aperfeiçoaram ao longo do tempo mecanismos como a regulação e a supervisão bancária.
Seguros de depósitos, por
exemplo, foram criados para
prevenir corridas bancárias.
Além disso, os BCs tornaram-se
emprestadores de recursos de
urgência para o sistema, a fim de
conter a propagação de falências
nesse setor nevrálgico.
Essas inovações institucionais
permitiram a recuperação dos
países após a Grande Depressão
(1929-1933). A partir dos anos
1980, no entanto, os sistemas financeiros foram novamente
desregulamentados, o que permitiu a expansão de inúmeras
instituições sem supervisão e de
instrumentos financeiros cada
vez mais complexos e opacos.
O resultado foi a acentuação
dos ciclos de euforia e pessimismo. Apenas para citar alguns
eventos: o "crash" da Bolsa de
Nova York, em 1987; as crises do
México, em 1994, de países asiáticos, em 1997, e da Rússia, em
1998; a "exuberância irracional"
das empresas de tecnologia de
1996 a 2000; e, finalmente, a inflação e a deflação imobiliária
nos EUA, de 2002 a 2008.
Esse ambiente desregulamentado e instável evoca, guardadas
as proporções, a dinâmica que
prevalecia antes da crise de 1929.
Nessa que foi a pior derrocada do
capitalismo moderno, 9.000
bancos americanos foram à falência. Em 1932, o PIB dos EUA
havia sido reduzido à metade em
relação ao início da crise. A taxa
de desemprego passou de 20%.
A deterioração em curso na
economia americana, portanto,
ainda está longe de produzir tamanho desarranjo econômico e
social. A disposição da Casa
Branca de empenhar o que for
necessário para evitar o pior, explicitada na sexta, tem todas as
chances de impedir a repetição
da catástrofe de 80 anos atrás.
Um sistema financeiro muito
mais regrado tende a emergir
dos escombros dessa crise -regras que os agentes saberão contornar no futuro, com mecanismos ainda mais sofisticados, embalados em euforia. E la nave va...
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