São Paulo, domingo, 21 de setembro de 2008

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Euforia e pessimismo

Boas ações de governo podem apenas mitigar efeitos das crises cíclicas do capitalismo, como a que ocorre nos EUA

OS ÚLTIMOS dias evidenciaram, de modo dramático, como o sistema financeiro é vital numa economia capitalista.
A capacidade dos bancos de expandir o crédito lhes permite antecipar os gastos das empresas e das famílias. Os lucros e os salários gerados nesse processo corroboram os projetos passados e alimentam o otimismo sobre o futuro. Os agentes se sentem mais ricos, e os bancos reduzem suas margens de segurança. Essa espiral eufórica acaba por ampliar o endividamento de toda a sociedade, com risco crescente.
O refluxo em geral começa quando alguns devedores não conseguem honrar seus compromissos. Os bancos reagem a essa ameaça aumentando suas margens de segurança: tentam vender suas aplicações mais arriscadas à procura de papéis mais seguros, como títulos públicos. Se o movimento ganha escala, com várias instituições fazendo o mesmo, ocorre uma contração abrupta no crédito, que favorece falências em diversos setores.
Esse comportamento cíclico do crédito faz parte da lógica do sistema capitalista moderno -e tem sido demonstrado à exaustão pela história. Na tentativa de mitigar seus efeitos destrutivos, as autoridades introduziram e aperfeiçoaram ao longo do tempo mecanismos como a regulação e a supervisão bancária.
Seguros de depósitos, por exemplo, foram criados para prevenir corridas bancárias. Além disso, os BCs tornaram-se emprestadores de recursos de urgência para o sistema, a fim de conter a propagação de falências nesse setor nevrálgico.
Essas inovações institucionais permitiram a recuperação dos países após a Grande Depressão (1929-1933). A partir dos anos 1980, no entanto, os sistemas financeiros foram novamente desregulamentados, o que permitiu a expansão de inúmeras instituições sem supervisão e de instrumentos financeiros cada vez mais complexos e opacos.
O resultado foi a acentuação dos ciclos de euforia e pessimismo. Apenas para citar alguns eventos: o "crash" da Bolsa de Nova York, em 1987; as crises do México, em 1994, de países asiáticos, em 1997, e da Rússia, em 1998; a "exuberância irracional" das empresas de tecnologia de 1996 a 2000; e, finalmente, a inflação e a deflação imobiliária nos EUA, de 2002 a 2008.
Esse ambiente desregulamentado e instável evoca, guardadas as proporções, a dinâmica que prevalecia antes da crise de 1929. Nessa que foi a pior derrocada do capitalismo moderno, 9.000 bancos americanos foram à falência. Em 1932, o PIB dos EUA havia sido reduzido à metade em relação ao início da crise. A taxa de desemprego passou de 20%.
A deterioração em curso na economia americana, portanto, ainda está longe de produzir tamanho desarranjo econômico e social. A disposição da Casa Branca de empenhar o que for necessário para evitar o pior, explicitada na sexta, tem todas as chances de impedir a repetição da catástrofe de 80 anos atrás.
Um sistema financeiro muito mais regrado tende a emergir dos escombros dessa crise -regras que os agentes saberão contornar no futuro, com mecanismos ainda mais sofisticados, embalados em euforia. E la nave va...


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