São Paulo, segunda-feira, 21 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

BORIS FAUSTO

O alcance da onda

As eleições deste ano estão expressando aquilo que analistas das mais variadas tendências vêm chamando de "onda petista". Há boas razões para isso. O PT ampliou consideravelmente a bancada no Congresso, em algumas Assembléias Legislativas, e seu candidato à Presidência da República obteve expressiva votação majoritária no primeiro turno.
Se há consenso a respeito da existência da onda, há bem menos certeza sobre seu alcance no tempo. Sem dúvida, o êxito eleitoral petista tem a ver com um longo e persistente trabalho de afirmação partidária -um bom indicador, nesse aspecto, para outros partidos que pretendam ganhar uma base social mais sólida.
Mas, ficando no caso da Presidência da República, seria lícito dizer que o nome de Lula está sendo objeto de tanto apoio porque o eleitorado passou a encarnar nele virtudes que o transformaram em uma espécie de líder incontestável?
Na atropelada dos últimos dias da disputa, tende-se a esquecer alguns aspectos da campanha presidencial, caracterizada em parte pelo "desejo de mudança", sem que esse desejo se cristalizasse, por vários meses, em um nome. Se afirmo que o "desejo de mudança" caracterizou só em parte a campanha, é porque outros fatores, especificamente políticos, entraram em cena.
Enumero, dentre eles, a crise da base de apoio ao governo, que acabou se estilhaçando; o apoio direto ou indireto ao candidato do PT, impensável até bem pouco, de figuras oligárquicas em declínio, mas ainda com força em seus Estados; a inexistência de uma âncora política do porte do Plano Real; a indicação de um candidato governista competente, mas cercado de ressentimentos à sua volta e sem o carisma de Fernando Henrique -qualidade relevante para ganhar eleições, embora não necessariamente para governar.
Além disso, lembremos que a volatilidade das opções -reflexo, entre outras razões, da fragilidade partidária- manifestou-se, mais uma vez, ao longo deste ano. O "desejo de mudança" e os apoios heterodoxos levaram um bom tempo para se concentrar no candidato petista.
A candidatura de Roseana Sarney, cogitada como simples carta no jogo eleitoral por uma parcela do PFL, cresceu enormemente em poucas semanas, quando Lula ainda rondava os 30% de intenções de voto, e só se apagou nas circunstâncias conhecidas. Mais longe foi Ciro Gomes, chegando aos 30% de intenções de voto, declinando vertiginosamente por sua estranha opção de ser "o algoz de si mesmo".
Só a partir daí, a candidatura de Lula se consolidou definitivamente, beneficiada, entre outros fatores, pelo tiroteio entre Serra e Ciro, que lhe permitiu navegar em um mar róseo de sentimentalismo e lugares-comuns, em que esteve muito à vontade.
Essas observações não pretendem ser uma previsão para o futuro. Pretendem, sim, acentuar que a onda petista tem fragilidades. O tempo dirá se ela veio para ficar por um longo período ou se, na volta da esquina, irá se desmanchar no ar.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Desculpa esfarrapada
Próximo Texto: Frases


Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.