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ELIANE CANTANHÊDE
Ameaça ou trapalhada?
BRASÍLIA - Lula não tinha opção: ou exigia a retratação pública do Exército ou perderia autoridade numa área
sensível e explosiva.
Ele exigiu e obteve a nota do comandante, general Francisco Albuquerque, diametralmente oposta à
publicada no domingo. O novo texto
"lamenta" a morte de Vladimir Herzog. O anterior justificava até a "estrutura" que torturava e matava.
Ao pagar para ver, Lula foi estimulado pelo ministro da Defesa, José
Viegas, e respaldado pelos líderes do
PT e por setores consideráveis da "sociedade civil". Foram todos contra
um. O Exército, como autor da nota
fatídica, ficou isolado. Anos de recuperação de imagem jogados fora por
alguns parágrafos intempestivos.
A sensação, ontem, era de vitória e
de alívio pelo desfecho, comemorado
como "histórico". Apesar da posição
oficial, porém, a questão está longe
de estar esclarecida. Ao articular toda a operação de recuo militar, Lula
e Viegas deram uma "tábua de salvação" para Albuquerque: a versão de
que ele estava viajando, não sabia de
nada. A culpa toda recaiu sobre um
mordomo de farda e de estrelas, o general Antônio Gabriel Ésper, chefe da
comunicação do Exército.
Mas não sei o que é pior para o comandante de uma casa hierarquizada por excelência: autorizar um absurdo como a nota enaltecendo a ditadura ou nem sequer ser consultado
sobre ela. É como se não estivessem
batendo continência para ele.
A retratação foi um ato de bom senso de Albuquerque e muito importante para Lula. Mas paira a desconfiança de que insatisfações com soldos e equipamentos obsoletos estejam servindo de pretexto para setores
militares botarem as garras de fora.
Pior: surpreendendo os comandantes, inclusive Lula e Viegas.
Conclusões: 1) definitivamente, o
episódio não está encerrado; 2) enquanto o passado não for totalmente
aberto, meras trapalhadas assumem
contornos de ameaças ou crises. Um
espectro vai continuar rondando o
Brasil. E não é o do comunismo, apesar de igualmente sem chance.
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